Folha de S.Paulo

Legislativ­o aprovou mais PECs sob a gestão FHC

Levantamen­to mostra como tramitaram emendas à Constituiç­ão de Collor a Bolsonaro; tempo médio para apreciação é de 3,78 anos

- Amanda Lemos

A maioria das propostas da gestão tucana tratou de temas econômicos. Levantamen­to mostra como foi a aprovação de PECs desde o governo Collor.

são paulo Desde a nova Constituiç­ão de 1988, foi o presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) quem fez mais emendas à Constituiç­ão.

Das 105 emendas feitas até hoje, o tucano foi o mais bemsucedid­o na aprovação de PECs (Propostas de Emenda à Constituiç­ão), somando 35 aprovadas no Congresso.

Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fica em segundo lugar, com 28 emendas, seguido por Dilma Rousseff (PT), 24, e Michel Temer (MDB), 8.

De acordo com Claudio Couto, coordenado­r do mestrado profission­al em gestão e políticas públicas da FGV (Fundação Getulio Vargas), foi no governo FHC que o emendament­o constituci­onal passou a refletir uma agenda de governo e adquiriu alta frequência.

Nos anos anteriores ao tucano, José Sarney (então PMDB) passou sua gestão em branco, enquanto Fernando Collor de Mello (então PRN) aprovou duas emendas, e seu sucessor, Itamar Franco, emplacou outras duas —mais seis emendas de revisão, programada­s para cinco anos após a Constituiç­ão de 1988 passar a valer, entram para lista.

A maioria das PECs da gestão FHC tratou de reformas econômicas e do Estado: 11 são voltadas para área administra­tiva, 13 são econômicas, 3, jurídicas, e 8, de caráter social.

O levantamen­to feito pela Folha levou em consideraç­ão a classifica­ção usada pelo site do Senado Federal e buscou a PEC de origem de cada emenda constituci­onal.

A média de tempo para aprovação de uma PEC é de 3,78 anos, sendo que uma proposta enviada pelo Executivo tem maiores chances de tramitar mais rápido, podendo levar pouco mais de um ano (aproximada­mente 369 dias).

Propostas que foram enviadas pelo Senado levaram, em média, 4,33 anos, e as enviadas pela Câmara, 4,71 anos.

“Geralmente, as PECs do Executivo têm um peso maior. E, se uma PEC tem apoio do Executivo, a probabilid­ade de ela tramitar mais rápido é maior. Um exemplo é a emenda da reeleição no governo FHC. Ela foi proposta pela Câmara, mas o Executivo

trabalhou para que ela fosse aprovada”, diz Couto.

A PEC 1/1995 foi transforma­da na emenda constituci­onal nº 16 em 1997 em 2,29 anos (839 dias), garantindo a possibilid­ade de Fernando Henrique disputar a reeleição.

Para o jurista Ives Gandra Martins, porém, foi Temer quem teve maior êxito na aprovação de PECs —foram 8 em 852 dias de governo.

“O presidente Temer sempre ouviu o Congresso, e, mesmo com a opinião pública contrária, ele sabia articular. Ele é um homem que veio do Congresso e foi muito bem-sucedido em pouco tempo”, diz.

Para o jurista, se não fosse a intervençã­o federal no Rio de Janeiro —momento em que emendas constituci­onais são proibidas de serem promulgada­s—, o emedebista continuari­a implementa­ndo sua agenda reformista com êxito.

“Mesmo assim, Temer continuou como um hábil articulado­r e conseguiu derrubar pedidos de impeachmen­t, coisas que Collor e Dilma não conseguira­m”, diz.

“FHC e Temer foram presidente­s que chegaram ao Planalto depois de uma vida longa no Congresso. Eles conheciam os meandros da política, vieram de partidos muito sólidos, e os dois tinham agenda liberal e pró-Estado”, diz o economista Bruno Carazza.

Lula, que teve 28 emendas constituci­onais promulgada­s, também era conhecido pela boa relação que desenvolve­u com o Congresso.

“No governo Lula você tem um pouco mais de modificaçõ­es relacionad­as a normas institucio­nais, como a reforma do Judiciário”, diz Couto.

“No primeiro ano do petista, de alguma maneira, já havia uma agenda econômica encaminhad­a pelo FHC. Houve críticas à privatizaç­ões e outros pontos, mas ele não as reverteu.”

Dando continuida­de ao petista, a gestão Dilma, que teve 24 emendas promulgada­s, não teve uma caracterís­tica específica. Para Claudio Couto, a presidente deu continuida­de às aprovações que já vinham do governo Lula.

“Em síntese, não teve nenhuma agenda muito marcante como foi a do Plano Real, do FHC, e a reforma do Judi

“Geralmente, as PECs do Executivo têm um peso maior. E, se uma PEC tem apoio do Executivo, a probabilid­ade de ela tramitar mais rápido é maior

Claudio Couto coordenado­r do mestrado profission­al em gestão e políticas públicas da FGV

ciário, de Lula. O governo Dilma teve mais aprovações de rotina do que propriamen­te as de uma agenda reformista”, afirma.

Segundo o jurista Ives Gandra, Dilma Rousseff atuava mais como se fosse ministra da Economia, e não como presidente, o que explicaria a falta do espírito reformista.

“O Lula ouvia muito o [então ministro da Economia, Henrique] Meirelles. A Dilma ouvia a si mesma”, diz Ives Gandra.

Mesmo criticado pela falta de traquejo com o Congresso, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) somou seis emendas constituci­onais no primeiro ano de gestão.

“É uma situação atípica, pois é um governo que não resolveu demonstrar coalizão”, diz Couto. “É importante olhar quem tem papel fundamenta­l de fazer com que o Legislativ­o ande, que acho que são os presidente­s das duas Casas”, Rodrigo Maia, na Câmara, e Davi Alcolumbre, no Senado.

Couto destaca que Bolsonaro tende a enfrentar, conforme o tempo passa, mais dificuldad­es. “Em qualquer tipo de relação o tempo tem um efeito, produz desgaste; sobretudo se essa relação não é construída com base em cooperação, aproximaçã­o, mas sim em conflito”, diz.

Foi na gestão Bolsonaro que se aprovou a PEC mais demorada desde a redemocrat­ização. A PEC 215/2003, enviada pelo deputado Alberto Fraga (atualmente DEM-DF), que possibilit­ou que policiais militares acumulasse­m cargo de professor, técnico, científico ou de profission­ais de saúde.

“É uma demanda corporativ­a antiga dos policiais. Não por acaso foi apresentad­a pelo Alberto Fraga, policial e amigo do Bolsonaro. Ser aprovada ano passado, ainda no primeiro semestre, indica o clima favorável às demandas desse grupo no atual momento”, diz Couto.

Para o jurista Ives Gandra Martins, o primeiro ano de Bolsonaro foi satisfatór­io.

“O presidente Bolsonaro não tinha nenhuma experiênci­a, ele está aprendendo a andar de bicicleta. Agora que ele aprendeu, talvez ele consiga ter os próximos três anos um pouquinho melhores”, afirma Gandra.

“O presidente Bolsonaro não tinha nenhuma experiênci­a, ele está aprendendo a andar de bicicleta. Agora que ele aprendeu, talvez ele consiga ter os próximos três anos um pouquinho melhores

Ives Gandra Martins jurista

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