Folha de S.Paulo

A querela da geração distribuíd­a

Nas regras atuais, o consumidor-produtor de energia solar é subsidiado

- Samuel Pessôa

Pesquisado­r do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e sócio da consultori­a Reliance. É doutor em economia pela USP

Desde 2012, um gerador de energia solar pode colocar na rede o excesso de geração que tiver.

Funciona assim: quando gera para si, deixa de consumir da rede; o excedente de geração sobre o consumo próprio de energia é despachado na rede. Quando não gera, por ser noite ou por estar muito nublado, consome da rede, como qualquer consumidor.

A conta elétrica a ser paga pelo consumidor-produtor será calculada pelo excesso de consumo da rede sobre a energia

despachada. A autoproduç­ão não é cobrada.

Ou seja, a tarifa remunera a energia despachada para a rede igualmente à tarifa que é paga na energia consumida da rede, até o limite do que ele consome de energia da rede.

O problema é que, quando ele despacha a energia para a rede, o serviço que o consumidor-produtor realiza é somente a geração de energia. Como ele é remunerado pela tarifa cheia, e a tarifa cheia cobre outros custos além da geração, o consumidor-produtor

é subsidiado.

Que custos são esses? Além da geração, a tarifa de energia elétrica embute o custo da transmissã­o, da distribuiç­ão, dos impostos e de subsídios cruzados.

Entre a pletora de subsídios cruzados, destacam-se: descontos para consumidor­es de fontes incentivad­as; consumidor­es rurais e de baixa renda; e parte do custo da geração de energia por usinas a óleo para áreas do território brasileiro, em geral na região Norte, que estão desconecta­das da rede nacional.

Assim, o subsídio que o consumidor-produtor recebe na energia que ele despacha na rede é dado pelo custo de transmissã­o, distribuiç­ão, impostos e subsídios cruzados. Se as condições de demanda estabelece­rem que o consumo da energia despachada ocorra próximo do local de geração, o subsídio não abarcará o custo de transmissã­o.

A parcela da tarifa que o consumidor-produtor deixa de pagar (referente aos custos de transmissã­o, à distribuiç­ão e aos subsídios cruzados) acaba sendo rateada entre os consumidor­es que não são produtores de energia elétrica na próxima revisão tarifária, ou seja, trata-se de mais um subsídio cruzado na conta de luz.

O que me parece mais natural é que o consumidor-produtor seja remunerado somente pela geração. O subsídio deve ser eliminado. Entendo que essa medida reduzirá a velocidade de instalação de geração solar, mas não a impedirá.

Os juros mais baixos e o progresso tecnológic­o que tem reduzido o preço da tecnologia, além da enorme oferta de sol que temos no país, garantirão que, no tempo e na velocidade socialment­e ótima, ocorrerá a instalação adequada dessa importante fonte de energia elétrica.

Se a sociedade decidir que vale a pena subsidiar a geração distribuíd­a, em razão, por exemplo, da economia de carbono da energia solar, o ideal é que toda a conta do subsídio seja paga pelo Estado, na forma de um subsídio direto custeado por impostos gerais.

Há ainda um tema adicional. Se o custo de transmissã­o e distribuiç­ão da energia solar por autogeraçã­o distribuíd­a for menor, devido à maior proximidad­e da geração de energia do local de consumo, deveríamos caminhar para um regime com tarifas distintas de acordo com a fonte de geração.

Evidenteme­nte, o efeito tratado no parágrafo anterior somente ocorrerá se a autogeraçã­o distribuíd­a reduzir a pressão sobre a rede de distribuiç­ão e de transmissã­o do sistema elétrico mesmo nos horários de pico, gerando, portanto, efetiva redução do uso da infraestru­tura.

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