Folha de S.Paulo

Nova coleção de emoticons reforça a igualdade de gênero

Pacote de 2020 inclui figuras não-binárias, bandeira trans e imagem de barata

- Fernanda Mena

são paulo Com a palma da mão voltada para cima, una as pontas dos dedos, formando um cone, e chacoalhe o pulso para frente e para trás.

O gesto, tipicament­e usado pelos italianos para expressar uma mistura de incompreen­são com indignação, é um dos 65 novos emoticons aprovados para integrar o Emoji 13.0, a versão de 2020 do principal léxico digital universal: o repertório daquelas figurinhas que trazem humor e emoção às trocas de mensagens de texto.

A nova lista de ícones tem desde imagens de chinelo de dedos, desentupid­or de privadas, patins e varinha mágica até azeitona, pimentão, bubble tea (chá gelado com bolinhas), acordeão e besouro.

A grande novidade da versão de 2020 do repertório de emoticons, no entanto, são as figuras que representa­m igualdade de gênero —como na imagem em que um homem dá uma mamadeira para o bebê em seus braços— e identidade­s não-binárias e não-heteronorm­ativas.

É o caso da imagem de uma “noiva” de véu e bigode, de uma mulher vestida de smoking, e de um Papai Noel sem gênero (ou não-binário).

As opções noiva, noivo e adulto que amamenta um bebê surgem na lista de 2020 em versões “mulher”, “homem” e “pessoa”, uma tentativa de fugir dos padrões chamados hetero normativos. Outra inclusão notável foi abandeira do orgulho trans, com suas listras azuis, rosas e brancas.

“Os Emojis são uma linguagem contemporâ­nea que vem acompanhan­do tendências, como na criação de ícones de famílias não-tradiciona­is: com dois pais ou duas mães, ou com paio umã e solo ”, avaliaLean dr inhaDuArt ,24, ativista transe de pessoas com deficiênci­a.

“No caso dos novos emoticons de pessoas trans, tratase de uma diversidad­e que já está dada, eque representa um grupo no qual há influencia­dores digitais”, aponta ela. “Meu corpo existe, e eu posso me comunicar do meu jeito usando Emojis que me representa­m”, diz.

Para a professora de linguístic­a da Universida­des Estadual Paulista (Unesp) Luciani Tenani, “os emojis funcionam como um logograma ou um ideograma” e sua atualizaçã­o periódica evidencia o quanto a linguagem é algo dinâmico.

“Trata-se de uma forma de comunicaçã­o visual do século 21 que é uma representa­ção. E essa representa­ção não é só uma realidade objetiva, mas uma demanda social”, diz ela.

“Emoticons estão representa­ndo valores e relações de poder que estão em constante mudança. É uma tecnologia que está incluindo pessoas, ao mesmo tempo em que, contradito­riamente, também exclui quem não a domina. Como toda escrita, é um exercício de poder”, afirma.

As figuras de cada nova versão do catálogo de emojis podem ser propostas por qualquer pessoa, mas precisam passar pelo crivo do consórcio Unicode para figurarem no menu do seu celular.

A Unicode é uma organizaçã­o internacio­nal que reúne membros pagantes de gigantes da tecnologia, como Google, Apple, Microsoft, IBM, Netflix, Facebook e Huawei, e representa­ntes de governos de Índia, Bangladesh e Omã, além da Universida­de de Berkeley, na Califórnia (EUA).

“A Unicode define os padrões todos os anos. E a lista de 2020 é avançadinh­a, o que é curioso porque existem vários stakeholde­rs bem conservado­res, oriundos de países muçulmanos, na organizaçã­o”, diz Ronaldo Lemos, fundador do Instituto de Tecnologia e Sociedade e colunista da Folha.

“Acho bem normal entrarem emojis progressis­tas do ponto de vista de gênero e igualdade porque a tecnologia, em geral, é inovadora neste sentido”, afirma.

Lemos lembra, no entanto, que dois anos atrás um emoji de sangue menstrual, proposto pela ONG Plan Internatio­nal foi rejeitado pela comissão da Unicode. A imagem era de uma calcinha com uma gotinha de sangue. No ano passado, outra tentativa da organizaçã­o menos literal foi aprovada: uma gota de sangue.

O imbróglio expõe o quanto questões naturais do universo feminino ainda são vistas com preconceit­o.

“O homem cuidando dos filhos, por exemplo, ainda é visto como se estivesse num papel exótico”, afirma Giulliana Bianconi, 36, diretora da Gênero e Número, organizaçã­o na área de pesquisa, jornalismo de dados e questão de gênero.

“Neste contexto, acho maravilhos­o o emoji do homem cuidando de bebês porque ele ajuda a criar a ideia de que homens podem naturalmen­te ocupar este papel na economia da família.”

Para ela, os novos emojis refletem uma mudança de comportame­nto. “No caso da população trans, que há uma década era muito mais marginaliz­ada e invisibili­zada do que hoje, a criação de um emoji não vai mudar esta condição. Mas qualquer conquista de visibilida­de é importante e cria contexto para que mais pessoas mostrem a cara e reivindiqu­em direitos.”

Os emojis foram criados em 1999 pelo designer japonês Shigetaka Kurita. Em uma semana, ele desenvolve­u 176 imagens inspiradas em ideogramas e mangás. Hoje, há quase 3.000 emojis.

O sucesso das figuras coincide com a populariza­ção dos aplicativo­s de troca de mensagens. Em 2011, a Apple in

Bandeira do orgulho trans cluiu estes ícones em seus telefones e foi seguida pela concorrênc­ia. Em 2013, a empresa co-fundada por Steve Jobs também inovou no quesito diversidad­e ao criar diferentes tons de pele para as figuras humanas.

Em 2015, a jornalista e criadora da plataforma literária Plympton, Jennifer 8 Lee, criou o Emojinatio­n, um projeto de desenvolvi­mento de propostas inclusivas de emoticons a serem submetidas ao Unicode.

Desde então, ela já ajudou na aprovação da figura de uma mulher usando hijab (o véu muçulmano), do ícone de dumpling (massa recheada chinesa), de um sapato feminino de salto baixo, e, agora, do gesto italiano e da imagem de uma barata.

A proposta do incluir um dos insetos que mais causam repulsa em humanos partiu do designer e cartunista chinês Jason Li e foi encampada pelo projeto de Jennifer 8 Lee.

“Adicionar uma barata emoji não apenas vai beneficiar a pequena coleção de insetos do cardápio mas também vai garantir que, se as baratas de fato sobreviver­em a uma guerra nuclear, elas terão um emoji seu”, conta Li sobre sua proposta. E justifica: “Eu nasci em Hong Kong, e as baratas faziam parte do meu cotidiano porque eram o inseto intruso número 1 em casa”.

Comidas como o pãozinho achatado típico de países da América Latina chamado arepa entraram no cardápio. O emoji foi proposto por designers venezuelan­os.

“O Brasil não tem um emoji pra chamar de seu. Já tentaram criar um da capivara, mas nunca foi pra frente. E no momento, não há nenhum emoji proposto por um designer ou empresa brasileiro­s sob avaliação”, aponta Lemos. “Ainda estamos devendo isso.”

 ??  ??
 ??  ?? Homem vestido de noiva
Homem vestido de noiva
 ??  ?? Pessoa alimenta bebê
Pessoa alimenta bebê
 ??  ?? Papai Noel sem gênero
Papai Noel sem gênero
 ??  ?? Novos emojis Ícone de barata
Novos emojis Ícone de barata
 ??  ?? Gesto típico italiano
Gesto típico italiano

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil