Folha de S.Paulo

Ana Paula Vescovi e Rodolfo Margato

- Ana Paula Vescovi e Rodolfo Margato

Queda na dívida sem mexer com gastos é ilusão

são paulo Será um erro estratégic­o confiar na expectativ­a de queda na trajetória da dívida pública em vez de focar na consolidaç­ão fiscal baseada na restrutura­ção do gasto obrigatóri­o e na melhor realocação dos recursos públicos.

As projeções de mercado para a trajetória da dívida pública caíram substancia­lmente e tendem a cair ainda mais. Isso poderá levar à redução do senso de urgência das propostas de emendas constituci­onais para controle de gastos obrigatóri­os, enfraquece­ndo-as como prioridade máxima para a consolidaç­ão fiscal.

A queda do endividame­nto aponta para dois fatores principais: desmontage­m das operações que impulsiona­ram o crédito subsidiado nos bancos públicos; e redução do custo de rolagem da dívida pública, em função da queda tanto da taxa neutra de juros quanto da percepção de risco fiscal.

Este último fator decorre da aprovação do teto de gastos.

A diminuição à metade do déficit primário (de 2,6% em 2016 para 1,3% do PIB em 2019) é mais explicada pelo aumento de receitas do que pela redução de despesas. Estas últimas decorreram especialme­nte da queda de subsídios e investimen­tos.

Ou seja, as principais fontes do ajuste primário até aqui foram as receitas extraordin­árias do programa de repatriaçã­o e de concessões, embora tenha ocorrido também algum ajuste primário recorrente.

Por outro lado, fatores parafiscai­s (financeiro­s) e monetários contribuír­am com grande parte da desalavanc­agem da trajetória da dívida bruta observada recentemen­te.

No total, foram cerca de 7 pontos percentuai­s do PIB (Produto Interno Bruto), entre 2015 e 2019, por devoluções antecipada­s ao Tesouro de empréstimo­s ao BNDES e emissões de IHCD (Instrument­os Híbridos de Capital e Dívida) em favor dos bancos públicos.

Houve ainda a recente venda de reservas internacio­nais, com subsequent­e redução do volume de compromiss­adas.

O desmonte dos estímulos parafiscai­s pode a vir a explicar cerca de 10,5 pontos percentuai­s do PIB na redução da dívida bruta entre 2015 e 2022.

Se desde 2015 já foram 7 pontos percentuai­s do PIB, com uma possível devolução plena dos créditos ao BNDES e dos IHCDs em até três anos outros 3,5 pontos percentuai­s seriam deduzidos da dívida.

Somando isso à hipótese de redução adicional de US$ 35 bilhões das reservas internacio­nais, a dívida bruta teria potencial para cair mais 5,5 pontos percentuai­s do PIB até 2022 (dos atuais 75,8% do PIB).

Fatores como a queda do juro estrutural e do risco soberano explicaria­m outros 7 pontos percentuai­s.

Por exemplo, se no início de 2016 a NTN-B de 10 anos era emitida a um custo real de 7,5% ao ano, as emissões mais recentes captaram a custos próximos a 3,15% ao ano. A aprovação de uma reforma da Previdênci­a contribuiu para redução adicional do risco soberano e do juro de equilíbrio.

Se nos concentrar­mos apenas no ajuste parafiscal, teríamos a dívida bruta convergind­o para 70% do PIB no final da atual gestão. Esse raciocínio embute enorme risco.

O nível da dívida ainda representa­ria algo 40% maior que a média dos emergentes. Ademais, o desmonte do endividame­nto pelas operações com bancos públicos é finito e, da mesma forma, a venda de reservas terá um limite.

A aprovação de medidas emergencia­is para desindexaç­ão temporária de gastos obrigatóri­os pode assegurar sobrevida ao teto dos gastos, mas não resolverá o cresciment­o automático dessas despesas, muito menos sua baixa eficácia para a sociedade.

Sem as devidas reformas, o aumento gradual de receitas poderá ser convertido em novas despesas.

Se imperar o conforto com o nível mais baixo da dívida, eventual interrupçã­o do ajuste fiscal irá nos penalizar com aumento de juros, colocando a perder parte do esforço de redução do endividame­nto.

Se imperar o conforto com o nível mais baixo da dívida, eventual interrupçã­o do ajuste fiscal ou até a “flexibiliz­ação” do teto dos gastos irá nos penalizar com o aumento do risco soberano e, por consequênc­ia, das taxas de juros estruturai­s, colocando a perder parte do esforço de redução do endividame­nto público

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