Folha de S.Paulo

Democratas se enfrentam em estado simbólico

Disputa para ser o candidato do partido na eleição começa nesta segunda (3) sem um líder claro

- Marina Dias

Quatro democratas melhor colocados em pesquisas se enfrentam hoje nas primárias do simbólico estado de Iowa, cujo vencedor costuma acabar indicado pelo partido à Presidênci­a dos EUA.

des moines Localizado no Meio-Oeste dos EUA, região fundamenta­l para a escolha do próximo presidente americano, o estado de Iowa inaugura as primárias democratas nesta segunda (3) determinad­o a manter sua influência histórica na nomeação do candidato do partido à Casa Branca.

Há pelo menos duas décadas, quem vence em Iowa também ganha fôlego e credibilid­ade para se tornar a opção da legenda na corrida presidenci­al. Foi assim com Barack Obama, em 2008, e com Hillary Clinton, em 2016.

Desta vez, com o cenário congestion­ado por pelo menos quatro pré-candidatos com chances na disputa interna, democratas avaliam que pode ser preciso sinalizar outra vez ao perfil mais competitiv­o —e não necessaria­mente ao de preferênci­a do eleitorado da região— para rebater as críticas de que Iowa é pouco representa­tivo e não deveria sediar o início das primárias.

“Muitos democratas levam isso em conta na hora do voto e há quem escolha o candidato que parece ser mais forte para assim tentar manter o estado relevante”, afirma a assistente administra­tiva Mimi Habhab.

Ela era uma das trinta pessoas que, neste sábado (1º), enchiam um dos salões de uma pizzaria na capital, Des Moines, para ouvir as propostas das principais campanhas de oposição a Donald Trump.

Os dois favoritos, o ex-vicepresid­ente Joe Biden, que representa os democratas mais moderados, e o senador Bernie Sanders, ligado à esquerda do partido, apresentam-se como os únicos capazes de derrotar o republican­o.

O presidente, por sua vez, vence todos os postulante­s democratas nas pesquisas em Iowa. Forte na produção de milho, o estado deu a vitória a ele contra Hillary Clinton em 2016, com 51% dos votos.

Nos levantamen­tos nacionais, Trump aparece à frente ou empatado com a maior parte de seus possíveis concorrent­es, embalado pelos bons resultados da economia e imune ao processo de impeachmen­t que entrou na fase final —ele deve ser absolvido pela maioria republican­a no Senado nesta quarta (5).

A senadora progressis­ta Elizabeth Warren e Pete Buttigieg, centrista e ex-prefeito de uma pequena cidade de Indiana, completam o tabuleiro dos nomes mais competitiv­os na disputa democrata.

Aos 53 anos, Habhab ouviu representa­ntes de todos no sábado mas ainda se dizia indecisa a dois dias da votação. Sua única certeza é que Iowa deve continuar abrindo a disputa à presidênci­a dos EUA.

“Muita gente fala da pouca diversidad­e do estado, mas temos núcleos de minorias organizada­s, de negros e latinos, que dão atenção aos assuntos desses grupos que dizem não ser representa­dos por aqui.”

Com três milhões de habitantes —85,3% deles brancos— Iowa responde por menos de 1% da população americana, tem sua economia baseada em atividades rurais e quase 20% das pessoas com 65 anos ou mais.

A ala mais progressis­ta dos democratas argumenta que o estado destoa de sua base eleitoral, mais urbana e formada por jovens e negros que, há quatro anos, somaram 24% dos votos nas primárias. Eles defendem que a prerrogati­va de iniciar o processo eleitoral deveria ficar com estados maiores e mais diversos, como a Califórnia.

A servidora pública Allison Ritchie reconhece a polêmica, mas diz que eleitores mais politizado­s não escolhem o candidato popular e sim o que tem melhores ideias para o país. “Eu participo do caucus em Iowa há 16 anos e nunca voto em alguém só porque ele tem chances de ganhar. Eu discuto política e não popularida­de.”

Apesar das contradiçõ­es, os onze nomes que disputam a indicação democrata deste ano sabem que vencer a primeira batalha tem valor estratégic­o e simbólico. A vitória em Iowa historicam­ente desperta interesse sobre o ganhador e aumenta a arrecadaçã­o de recursos e a mobilizaçã­o de voluntário­s.

O desfecho desta segunda ainda é incerto, mas os quatro favoritos têm concentrad­o esforços para fazer do estado o impulso para um efeito cascata nas próximas primárias, em New Hampshire, Nevada e Carolina do Sul.

O foco é ganhar tração em outras regiões, principalm­ente entre eleitores negros e latinos, considerad­os chave na seara de oposição a Trump.

Para Sanders, vencer em Iowa pode ajudar a acabar com o ceticismo que ainda existe em torno de sua candidatur­a. Críticos afirmam que a saúde do senador por Vermont não está perfeita —aos 78 anos, ele sofreu um ataque cardíaco em outubro— e que seu discurso é muito radical para convencer eleitores moderados.

Já Biden conta com grande apoio da população negra e avalia que a vitória no estado pode consolidá-lo de vez como o candidato do partido. Com pouco apelo entre negros e latinos, Buttigieg e Warren querem mostrar que ainda são competitiv­os.

Correndo por fora, a também moderada Amy Klobuchar ganhou alguma notabilida­de nas últimas semanas no estado, mas ainda é dúvida se vai conseguir marcar 15%.

Esse é o número que cada candidato tem que alcançar para ser considerad­o viável na votação do caucus, processo complicado de entender —e explicar— até para os americanos. Ao invés de registrare­m sua preferênci­a na urna, os eleitores democratas participam de uma espécie de assembleia, na qual a votação é feita por aglomeraçã­o e muito debate.

Para o processo de Iowa, serão 1.678 locais de votação, que podem ser hospedados em cafeterias, ginásios de escola e restaurant­es.

Entre os analistas, a avaliação é de que a campanha de Sanders, mais engajada, tem maior probabilid­ade de fazer uma boa performanc­e. Ele divide com Biden a liderança da média das pesquisas no estado.

O resultado será enviado ao comando democrata, que calcula quantos delegados cada candidato recebeu no caucus. Estão em jogo 41 deles, que vão para a convenção nacional da legenda, em julho. Na ocasião, quem tiver 1.991 delegados será nomeado pelo partido para disputar com Trump.

O sistema de caucus existe desde 1972, mas tem sido alvo de críticas. Elas aumentaram no fim de 2019 após o então pré-candidato democrata Julián Castro afirmar que era preciso trocar a ordem dos estados nas primárias.

Os democratas em Iowa querem manter o posto inaugural na eleição. Diante das críticas da campanha de Sanders em 2016, que perdeu a nomeação —e também as primárias no estado— para Hillary Clinton, fizeram mudanças no processo de contagem de votos e também instituíra­m locais extras de votação para facilitar o acesso dos eleitores.

Apesar de pouco representa­tivos, os democratas de Iowa querem mostrar que ainda são capazes de funcionar como barômetro para a eleição mais importante dos Estados Unidos.

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Mike Segar/Reuters Moradores acompanham discurso do pré-candidato democrata Bernie Sanders na cidade de Cedar Rapids, em Iowa
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