Folha de S.Paulo

Populismo policial

Positiva, queda de homicídios em RJ e SP não deve ser atribuída à maior letalidade das forças de segurança

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Sobre a redução dos assassinat­os em SP e no RJ.

Seguindo tendência nacional, o ano passado registrou uma diminuição significat­iva de 19% no total de homicídios dolosos no Rio de Janeiro. Foram 3.995 casos, o menor número desde 1991.

Em São Paulo, o dado foi ainda mais positivo: 2019 terminou com a menor taxa de assassinat­os da série histórica, com 6,56 casos para cada grupo de 100 mil habitantes.

A má notícia é que a queda nos crimes não conseguiu conter a brutalidad­e policial. No mesmo período, o número de mortos por intervençã­o policial no Rio de Janeiro (1.810) aumentou 18% na comparação com 2018, atingindo o maior patamar desde 1998.

Em São Paulo, fenômeno comparável ocorreu: policiais civis e militares em serviço mataram 733 pessoas, um aumento de 12% em relação ao ano anterior.

No caso fluminense, chega a ser chocante o fato de a letalidade da polícia ter sido proporcion­almente maior do que a perpetrada pelos criminosos paulistas: 10,5 casos para cada 100 mil habitantes.

Evidências científica­s mostram que inexiste correlação entre maior violência da polícia e redução de crimes, e um estudo do Ministério Público do Rio de Janeiro no ano passado desmistifi­cou a tese do chamado populismo policial.

Cidades como Nova Iguaçu e Angra dos Reis, por exemplo, apresentar­am queda tanto nos homicídios quanto nas mortes pela polícia.

Tampouco há ganhadores nessa guerra. A mesma pesquisa concluiu que a atuação policial pela via do confronto expõe os agentes de segurança ao risco e impede a prestação de serviços essenciais.

Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, quase um policial morreu ao dia de forma violenta no país em 2018, sendo muito elevada a incidência de suicídios, com 104 episódios naquele ano —o que dá a dimensão do estresse a que eles estão submetidos.

Falta consenso entre os especialis­tas sobre as causas da queda nos homicídios. Fatores econômicos, interioriz­ação da violência, mudanças nos conflitos entre facções criminosas e políticas estaduais mais efetivas são, em geral, citados. Mas a cultura de confronto policial não figura entre eles.

Para um fenômeno multicausa­l e com efeitos percebidos a médio e longo prazo, atribuir os avanços na área a governante­s afeitos à retórica belicosa como João Doria (PSDB-SP) e Wilson Witzel (PSCRJ) é, ao menos, impreciso e, no mais, intelectua­lmente desonesto.

Embora a maioria dos cariocas ainda considere a política de segurança do estado ruim ou péssima, essa rejeição caiu de 85% para 55% entre março de 2018 e dezembro passado. É um terreno fértil para o populismo policial sem qualquer respaldo em evidências.

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