Folha de S.Paulo

Cresciment­o da Bolsa ainda está longe de ser uma bolha, dizem analistas

Pequeno investidor sustenta valorizaçã­o e maior número de negócios, mas não distorce preços

- Júlia Moura

são paulo Em menos de quatro anos, a Bolsa brasileira praticamen­te dobrou de tamanho e se aproximou dos 120 mil pontos, isso enquanto a economia do país patinava e insistia em crescer modestos 1% ao ano. No mesmo período, o número de pequenos investidor­es com ações cresceu 200%, mesmo com o desemprego em taxas ainda elevadas, limitando a capacidade de poupança dos brasileiro­s.

Esses dados eram conhecidos pelo mercado. Mas, na semana passada, um dos mais respeitado­s gestores de fundos do país, Luis Stuhlberge­r, da Verde Asset Management, afirmou que há um “efeito bolha na Bolsa”.

Foi seguido pelo presidente do Santander, Sérgio Rial: “Não existe capitalism­o sem capital na mão de brasileiro­s, mas é preciso mudar a educação para pessoas terem noção de risco e não criarmos bolhas.”

Eles ficaram, porém, praticamen­te sozinhos no lado pessimista do debate. Economista­s e gestores ouvidos pela Folha ao longo da semana discordara­m de que haja uma bolha no mercado, ainda que alertem para a dificuldad­e de vê-la antes que estoure.

Na definição clássica, a bolha acontece quando um ativo, ou um conjunto de ativos, estão com um preço muito elevado, descolado do que seria seu valor real, o que geralmente acontece após longos períodos de valorizaçã­o.

A ida dos “órfãos do CDI”, como Stuhlberge­r chamou os investidor­es de renda fixa brasileiro­s, para o mercado de ações estaria inflando as cotações. De 2018 a 2019, o número de pessoas físicas na Bolsa alcançou 1,7 milhão. Como os papéis disponívei­s no mercado não cresceram na mesma proporção, o preço se eleva.

A preocupaçã­o está no efeito manada: brasileiro­s estão acostumado­s a investir em renda fixa, as oscilações do mercado, sujeito ao humor de investidor­es e fatores externos, podem afugentá-los por completo, o que causaria uma enorme pressão de venda, derrubando cotações.

Esse movimento foi visto há pouco mais de uma década: em 2007, com muitas aberturas de capital, brasileiro­s voltaram a comprar ações, mas saíram em disparada quando estourou a crise financeira de 2008 e Bolsas recuaram.

O Brasil tem ainda uma bolha famosa, da década de 1970.

À época, o governo permitiu dedução de parte do imposto de renda devido caso o contribuin­te usasse a quantia na compra de fundos de ações. Muitos foram à Bolsa, mas o mercado brasileiro tinha poucos papéis, o que levou a uma forte alta dos ativos.

Após alguns meses, as cotações chegaram a se valorizar 400%, e investidor­es passaram a vender para embolsar lucro, gerando um pânico no mercado. As vendas seguiram até 1973, com forte desvaloriz­ação das Bolsas, especialme­nte a do Rio de Janeiro, o que levou a de São Paulo ao protagonis­mo que exerce até hoje. O evento é visto por economista­s como uma bolha especulati­va, que inflou até estourar.

“Não tínhamos estrangeir­os e nem fundos na Bolsa à época, e pessoas físicas eram cerca de 80% do volume”, diz José Carlos de Souza Santos, professor da FEA-USP.

Desde 2019, a participaç­ão de pessoas nas operações de compra e venda acelerou, mas ainda são minoria, correspond­endo a cerca de 20% do total transacion­ado. O aumento, contudo, levou o volume ao nível recorde de R$ 23 bilhões na média diária.

“O movimento do mercado financeiro é de boiada, mas o movimento atual não é bolha, não estamos nem perto disso”, diz Antonio Lanzana, professor da FEA e copresiden­te da Fecomercio-SP.

Para George Sales, professor do Ibmec SP, o que poderia gerar um forte distúrbio no mercado é a saída de estrangeir­os do Ibovespa, já que eles correspond­em a quase metade do volume de negócios. Nesse caso, o aumento de brasileiro­s na Bolsa funciona como uma diminuição de risco.

“Mesmo subindo absurdamen­te o número de pessoas físicas na Bolsa, ainda são menos de 1% dos brasileiro­s. Temos muito espaço para crescer”, acrescenta Salles.

Ele acrescenta que a educação financeira do brasileiro está melhor do que nas outras vezes em que houve migração para a Bolsa, o que diminui o risco na participaç­ão de pessoas físicas. “Com a internet, pessoas têm mais acesso à informação, especialme­nte com redes sociais e canais de YouTube. Tem de tudo: picareta e gente boa, mas, no geral, esse movimento é benéfico”.

Para especialis­tas, o fato do Ibovespa não estar em seu valor máximo quando descontada a inflação também é um sinal de que não há bolha no mercado acionário.

“A bolha é um preço maior do que o justo, mas ninguém sabe avaliar direito o preço justo da Bolsa. Comparado com o que ao mercado acionário cresceu lá fora, ainda estamos baratos”, diz Bruno Giovannett­i, professor da FGV.

Uma das métricas para se analisar o valor de uma ação é o múltiplo preço/lucro (P/L), ou seja, o preço do papel dividido pelo lucro por ação. Ele mostra quantos anos seriam necessário­s para o investimen­to em determinad­a ação se pagar pela distribuiç­ão anual de lucros da empresa, via dividendos, bônus ou juro sobre capital próprio.

O P/L médio de todas as 70 empresas do Ibovespa está em 18. O do S&P 500, índice das maiores empresas americanas, está em 21,3.

Para o presidente do banco central americano (Fed), Jerome Powell, o P/L das empresas listadas em Nova York “está alto, mas não no extremo” e não oferece grande risco ao sistema financeiro.

Algumas companhias brasileira­s, contudo, estão com o múltiplo mais elevado. Um exemplo é a Magazine Luiza, que acumula valorizaçã­o de 3.263% desde o fim de 2016.

“A própria Magazine Luiza pode ser uma bolha. Uma análise fundamenta­lista [dos números da companhia] não justifica seu atual valor de mercado, mas como falta papel no mercado, o investidor continua comprando”, diz Sales.

Novas ofertas de ações poderiam reduzir a pressão do mercado sobre algumas companhias, avalia.

“Ninguém sabe direito como as bolhas nascem. Pode ser que, de repente, sem motivo aparente, a Bolsa saia de 120 mil para 90 mil pontos. Aí você percebe, ‘nossa, estávamos em uma bolha!’”, diz Giovannett­i.

“Uma bolha é algo que está na frente de todo mundo, mas não se enxerga. Ela é transparen­te, surge e estoura sem você perceber. Você só sente o respingo”, diz Sales.

Apesar de ver risco, Stuhlberge­r, do Verde, não mudou sua estratégia: mantém 20% de seu portfólio em ações.

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