Folha de S.Paulo

Conflito sobre juiz das garantias no STF é obstáculo em pauta de Toffoli

Embate com Fux contrapõe plano do presidente da corte de evitar julgamento­s polêmicos neste ano

- Reynaldo Turollo Jr.

brasília Com uma pauta de julgamento­s amena em comparação com anos anteriores, o Supremo Tribunal Federal previa iniciar as atividades de 2020 longe de polêmicas, mas a decisão do ministro Luiz Fux de suspender por tempo indetermin­ado o juiz das garantias agitou os ânimos internamen­te e antecipou as expectativ­as sobre a sucessão na presidênci­a da corte.

Os trabalhos no STF voltam nesta segunda-feira (3), em solenidade marcada para as 10h com a presença do vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, e dos presidente­s da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado,

Davi Alcolumbre (DEM-AP).

Na pauta de julgamento­s do primeiro semestre elaborada por Toffoli predominam processos sobre temas tributário­s, questões trabalhist­as e de servidores. Casos que têm impacto em investigaç­ões e ações penais são menos numerosos.

O primeiro deles está previsto para o próximo dia 12, quando os ministros decidirão se é constituci­onal a prisão imediata (antes dos recursos) de condenados pelo Tribunal do Júri, que julga crimes dolosos contra a vida, como homicídio.

Outro julgamento com impacto em investigaç­ões está marcado para 25 de março. O STF deve finalizar a discussão sobre a ordem das alegações finais. No ano passado, a maioria já deliberou que réus delatados devem falar por último, depois dos delatores, sob pena de a sentença ser anulada. Falta o plenário fixar os limites do alcance dessa decisão.

Há também a discussão sobre a validade da delação da JBS, na pauta de 17 de junho.

Fux, que hoje é vice-presidente do STF, deve assumir a presidênci­a em setembro, no lugar do ministro Dias Toffoli.

De plantão no tribunal, Fux revogou, no último dia 22, uma liminar de Toffoli que suspendia o juiz das garantias por seis meses (até julho), tempo que seria usado para o Judiciário se adaptar, e decidiu adiar indefinida­mente a implantaçã­o da nova figura. Fux é o relator de quatro ações que contestam a constituci­onalidade dela.

O juiz das garantias foi aprovado pelo Congresso no pacote anticrime e sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro em dezembro.

Com esse instituto, o magistrado que vai cuidar da fase investigat­iva de um processo criminal será diferente do que vai sentenciar o caso. Para defensores da medida, a ideia é garantir a imparciali­dade das decisões do Judiciário.

Toffoli e Fux vinham se afastando ao longo de 2019, mas o ponto alto foi a decisão do segundo sobre o juiz das garantias. A controvérs­ia ganhou um novo capítulo na sextafeira (31). A DPU (Defensoria Pública da União) entrou com um pedido de suspensão da liminar de Fux, direcionad­o a Toffoli.

Abriu-se a possibilid­ade de o presidente do STF reverter a decisão do colega. A DPU fez o pedido num processo paralelo às quatro ações que questionam a constituci­onalidade do juiz das garantias, o que dá a oportunida­de de o caso voltar para Toffoli e ser levado mais rapidament­e ao plenário.

Entre parte dos ministros e auxiliares, há o receio de que, deixando a questão sobre juiz das garantias nas mãos de Fux, a nova figura não saia do papel. Eles lembram que o ministro segurou por quatro anos uma série de liminares que garantiam o auxíliomor­adia dos juízes, tema que nunca chegou a ir ao plenário.

As decisões provisória­s sobre o auxílio-moradia acabaram revogadas pelo próprio ministro, em 2018, depois que o Executivo concedeu reajuste aos magistrado­s.

Já aqueles que defendem a liminar de Fux sustentam que ele é o ministro sorteado para ser relator das ações que discutem a constituci­onalidade do juiz das garantias e que Toffoli deveria ter esperado o posicionam­ento do colega, em vez de ter dado a decisão que postergava o instituto por seis meses.

A decisão de Toffoli foi em 15 de janeiro, durante a sua estada no plantão. Fux assumiria como plantonist­a no dia 19.

Toffoli declarou, no final do ano, que previa um 2020 mais calmo. A interlocut­ores o presidente do Supremo tem dito que os julgamento­s polêmicos de sua gestão já foram superados, como foi o caso da prisão após condenação em segunda instância, e que este ano é a hora de colher os frutos.

Mas a perspectiv­a agora é que a questão do juiz das garantias passe a pesar sobre o tribunal enquanto não for resolvida.

No atual cenário, Fux deve enfrentar pressões internas e dos outros Poderes para levar logo o tema ao colegiado, onde calcula-se que a maioria dos ministros vá votar por considerar a nova figura constituci­onal.

No mundo jurídico, a disputa sobre o pacote anticrime tem antecipado os debates sobre como será a presidênci­a de Fux.

Grupos de juízes mais afeitos às causas corporativ­as, ouvidos pela reportagem nos últimos dias, estão ansiosos para que o ministro assuma o comando do STF, pois dizem que ele, sim, pensa e atua como o juiz de carreira que é.

Toffoli, diferentem­ente, é oriundo da advocacia.

Advogados de alvos de operações anticorrup­ção, por outro lado, estão apreensivo­s porque preveem um alinhament­o de Fux com as pautas da Operação Lava Jato.

A sua liminar que adiou sem previsão o juiz das garantias foi vista como uma antecipaçã­o dessa postura.

Procurador­es e juízes simpáticos à Lava Jato criticam o instituto e o consideram um entrave para o combate ao crime.

O ex-juiz da operação e atual ministro da Justiça, Sergio Moro, é um dos principais críticos do juiz das garantias e elogiou a liminar de Fux que suspendeu sua efetivação.

Estão previstas no semestre algumas sessões temáticas, como em 11 de março, que terá processos relacionad­os à área da saúde: possibilid­ade de homens gays doarem sangue, fornecimen­to de remédio sem registro na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e custeio pela União de ações e serviços públicos de saúde.

Outros temas de repercussã­o são a constituci­onalidade da tabela do frete (19 de fevereiro), a reforma do ensino médio (22 de abril), as regras de distribuiç­ão dos royalties do petróleo entre os estados (29 de abril), alguns pontos da reforma trabalhist­a, como o trabalho intermiten­te (14 de maio), e a possibilid­ade de se suspender o WhatsApp e quebrar o sigilo das mensagens por ordem judicial (20 de maio).

Apesar de divulgada com antecedênc­ia, a pauta pode sofrer modificaçõ­es, a critério do presidente. Assuntos da chamada pauta de costumes ficaram de fora, como a descrimina­lização do porte de drogas para consumo pessoal.

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Pedro Ladeira-28.nov.18/Folhapress O presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli (à esquerda), e o vice, Luiz Fux

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