Folha de S.Paulo

Dívida, faca de dois gumes

Dívida não planejada deixa o cobertor mais curto e amplia risco de inadimplên­cia

- Marcia Dessen Planejador­a financeira CFP (“Certified Financial Planner”), autora de “Finanças Pessoais: O Que Fazer com Meu Dinheiro” marcia.dessen@gmail.com

Tomar dinheiro emprestado traz alívio imediato, ajuda a sair do sufoco quando não há recursos para uma emergência, um desiquilíb­rio financeiro. Mas, se por um lado alivia, por outro representa um problema a ser prontament­e resolvido.

Se alguém precisa parcelar a fatura do cartão ou recorrer a um empréstimo, é porque não tem caixa nem economias, todo o salário está comprometi­do com as despesas básicas e recorrente­s de cada mês.

Antes de contrair o empréstimo, buscando o alívio imediato, muitos não pensam em com que dinheiro o empréstimo será pago. Sabemos como essa história termina, e não termina bem.

Milhões de brasileiro­s estão endividado­s. Muitos estão inadimplen­tes, ou seja, com dívida vencida e não paga. E outra dívida é contraída, mais cara do que a primeira e a segunda, aumentando o rolo compressor que vai tirar o sono e o sossego de quem segue por esse caminho.

Dois erros explicam como essa situação foi criada. Primeiro,

a falta de controle das despesas, quando deixamos de impor e respeitar limites, consumindo além dos recursos disponívei­s. E lembre-se de que cheque especial ou cartão de crédito não é dinheiro disponível.

Quando a dívida decorre de uma emergência, um gasto elevado e imprevisto, sem que haja uma reserva financeira, a dívida pode ser inevitável. Entretanto, é preciso refletir como essa dívida será paga, que despesa será cortada ou reduzida, para quitá-la rapidament­e.

Pedro fez um crédito consignado que será pago em 12 parcelas de R$ 350, ou seja, seu salário será reduzido em R$ 350 pelos próximos 12 meses. Para se ajustar a essa nova realidade, já sabe que despesas serão cortadas ou reduzidas: uso do celular, refeições fora de casa e saídas com os amigos depois do trabalho.

A mesma conduta deve ser adotada seja qual for a modalidade de crédito, aliás, maior será o controle, já que o pagamento dependerá de seu comando.

Os que não fazem esse planejamen­to ficam inadimplen­tes, sentem a dor do corte afiado da segunda lâmina da faca, a que cobra o retorno do dinheiro emprestado, acrescido de juros elevados.

Para sair do sufoco, é preciso encontrar uma solução, reduzindo despesas ou aumentando a renda, fazendo um trabalho extra, vendendo algo que tenha valor. Sei que é fácil falar e difícil fazer, mas não tem outro jeito. Aprender com os erros, evitando cair em novas armadilhas, faz parte do aprendizad­o.

Nem toda dívida é ruim. Quando o empréstimo ou financiame­nto possibilit­a a compra de um bem que irá produzir renda ou reduzir despesa, pode ser uma solução a ser adotada.

A parcela de um financiame­nto imobiliári­o, por exemplo, substitui total ou parcialmen­te a despesa do aluguel, além de proporcion­ar uma enorme conquista, a compra da casa própria, sonho de muita gente.

Um profission­al pode financiar a compra de um equipament­o que permitirá oferecer produtos ou serviços, gerando receita estável e suficiente para quitar o saldo devedor. Uma vez quitada a dívida, se beneficiar­á integralme­nte da nova fonte de receita.

Esse é o crédito bom, que constrói patrimônio, que gera renda, que contribui para o cresciment­o econômico do indivíduo e da economia como um todo.

Não pagar a dívida tem sido a saída equivocada de muitos cidadãos que perdem o acesso ao crédito e se submetem a aceitar empréstimo de instituiçõ­es financeira­s que cobram taxas abusivas.

Pense muito bem antes de usar essa faca, assegure-se de que está construind­o sua própria riqueza e garantindo seu bem-estar.

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