Folha de S.Paulo

Brasil pode perder exportação agrícola ao Irã para Argentina

País sediará reunião contra Teerã e produtores temem reflexo no agronegóci­o

- Mauro Zafalon e Paula Soprana

são paulo A invasão de argentinos em áreas do Brasil, prevista pelo presidente Jair Bolsonaro, caso Alberto Fernández fosse eleito —eleição que ocorreu—, poderá começar pelo agronegóci­o. Não fisicament­e, mas comercialm­ente.

Os argentinos se prepararam para uma maior tensão entre Brasil e Irã. Os atritos com o país persa começaram com o apoio do governo brasileiro à ação dos americanos na morte do general Qassim Suleimani, em Bagdá.

Agora, o Brasil, alinhado a Estados Unidos e Israel, sediará entre 4 e 6 de fevereiro, em Brasília, uma reunião do “Grupo de Trabalho sobre Questões Humanitári­as e de Refugiados”, criado na “Reunião Ministeria­l de Varsóvia para Promover um Futuro de Paz e Segurança no Oriente Médio”. Na pauta da reunião, estará a busca de um maior isolamento comercial do Irã, o que preocupa o agronegóci­o.

No ano passado, em duas reuniões com delegações dos

Estados Unidos e de Israel já havia sido solicitado ao Brasil uma posição mais dura contra o Irã, mas o Itamaraty resistiu.

A Argentina, além de atender as principais necessidad­es de alimentos do Irã, permaneceu neutra no conflito do país persa com americanos.

As negociaçõe­s dos argentinos com os iranianos já vêm ocorrendo desde outubro e devem se intensific­ar a partir de agora. Está prevista uma ida de empresário­s do país vizinho, principalm­ente do agronegóci­o, a Teerã.

Essa missão comercial está sendo coordenada pelo Bripaem, um bloco composto por sete países da América do Sul. Edemir Schornen Bozeski, secretário de relações exteriores do bloco, diz que o objetivo é fomentar a relação entre todos os países do grupo (Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai, Peru e Uruguai).

Assim como busca opções de comércio para o Brasil, o bloco avalia também todas as demais opções comerciais para os outros componente­s.

E, em uma possível freada das negociaçõe­s entre Brasil e Irã, o fornecimen­to de alimentos para os iranianos continuari­a sendo feito por um país da América do Sul, segundo ele. O bloco é composto por empresário­s e prefeitos.

O Irã é o quarto maior importador de alimentos do Brasil, com gastos de US$ 2,2 bilhões (R$ 9,4 bilhões) no ano passado. Cinco produtos se destacam nas compras iranianas: milho, soja, farelo de soja, carne bovina e açúcar.

À exceção do açúcar, a Argentina conseguiri­a substituir o Brasil nesse fornecimen­to.

Em uma eventual ruptura das relações comerciais entre Brasil e Irã, os brasileiro­s perderiam um país fiel e que remunera melhor os alimentos adquiridos.

Um dos exemplos é o milho, cujo preço pago pelos iranianos supera em 11% o dos demais principais importador­es.

A necessidad­e de compra de milho pelo Irã soma 10 milhões de toneladas, segundo o Usda (Departamen­to de Agricultur­a dos EUA) e o Brasil forneceu 54% em 2019, apontam dados do governo.

Com relação à soja, o Brasil não perderia muito. As importaçõe­s totais iranianas atingem 1,9 milhão de toneladas, mas 84% dessas compras se concentram no Brasil.

A Argentina poderá substituir o Brasil também no farelo de soja. Isso ocorreria em um momento ruim para o Brasil. Com o aumento da produção de biodiesel, a oferta de farelo cresce e os exportador­es brasileiro­s querem elevar a presença no mercado externo.

A carne bovina também é outra demanda iraniana, e o Brasil foi responsáve­l pelo fornecimen­to de 48% do produto importado pelo país persa.

Um exemplo da fricção diplomátic­a é que importador­es do Irã já manifestam que a compra da carne brasileira pode ser impactada se houver alinhament­o político do governo com os Estados Unidos.

“A posição do Brasil afeta 100% a decisão dos comerciant­es iranianos, que perderiam interesse em comprar porque o governo daqui para de cooperar”, disse Mohammad Hosseyn Mohammadza­man, presidente da Ghaza Faravar Penguin, via telefone de Teerã.

O empresário diz ter importado de 8 mil a 10 mil toneladas das 63 mil compradas pelo Irã no Brasil, em 2019.

No ano passado, o país foi o sétimo importador de carne do Brasil, representa­ndo 3,4% das vendas ao exterior.

Em caso de eventual ruptura, empresário­s do setor dizem que o Irã buscaria mercados mais próximos, como Romênia e Cazaquistã­o, que já vendem ao país.

Os argentinos, que lideraram as exportaçõe­s mundiais de carne bovina na década de 70, e perderam espaço, voltaram a crescer e teriam produto para abastecer o Irã.

Uma missão de empresário­s do Irã esteve recentemen­te no Brasil e na lista de produtos que eles querem do país estão arroz e açúcar —neste caso, os argentinos podem fornecer arroz, mas açúcar iranianos buscariam na Índia.

As opções ideológica­s do governo podem complicar a vida de um dos setores mais dinâmicos da economia nos últimos anos. Além disso, o alinhament­o ideológico com os EUA tem pouco a acrescenta­r ao agronegóci­o, uma vez que os dois países são concorrent­es em praticamen­te todos os produtos.

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