Folha de S.Paulo

‘Black Software’, igualdade e tecnologia

Livro faz análise aprofundad­a da relação conturbada entre tecnologia e raça

- Ronaldo Lemos Advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro

Um dos painéis mais interessan­tes que acontecera­m no Fórum Econômico Mundial teve como protagonis­ta o músico Will.I.Am, globalment­e conhecido por seu trabalho no grupo Black Eyed Peas.

O músico foi para Davos não só para tratar de música mas também para falar de inteligênc­ia artificial (IA). Como fã do seu trabalho nos dois campos, tratei logo de postar uma selfie do seu lado, com a legenda “falando sobre inteligênc­ia artificial como Will.I.Am”.

Infelizmen­te, recebi mensagens que servem para abrir os olhos (ainda mais!) para a questão de viés quando se trata de tecnologia. Houve quem tivesse ficado intrigado, incomodado e até irritado com Will.I.Am “falando sobre inteligênc­ia artificial”.

Só para deixar claro, o músico participa do conselho de administra­ção de empresas de IA e já colaborou com a IBM sobre o tema. E, em Davos, fechou uma parceria para lançar um prêmio para brinquedos que usam IA de forma responsáve­l para com as crianças.

E, é claro, Will.I.Am usa inteligênc­ia artificial também no seu trabalho musical. Em entrevista recente para o Financial Times, o músico disse que a inteligênc­ia artificial será central para a indústria musical, inclusive na parte de shows.

Por exemplo, o próprio músico já construiu seu avatar virtual movido por IA, em parceria com a empresa Soul Machines. Esse avatar já é capaz, por exemplo, de fazer shows do mesmo jeito que ele.

Só que a Soul Machines vai além disso. O objetivo da empresa é “revolucion­ar a relação entre homens e máquinas”. Dentre as suas promessas está uma “revolução no conceito de atendiment­o ao consumidor”.

Em um futuro próximo, não será surpresa se você ligar para o call center de uma empresa e for atendido pela voz digital da sua celebridad­e favorita, que vai realizar todo o atendiment­o movido por IA.

No papo com Will.I.Am, um dos temas abordados foi exatamente a questão do viés racial na tecnologia. Na história da inovação, há, infelizmen­te, vários casos emblemátic­os.

Em 1930, por exemplo, a Westinghou­se inventou um robô chamado “Rastus, o Negro Mecânico”. O nome já descreve bem do que se trata: um humanoide de pele negra que, usando contrações mecânicas, era capaz de se levantar, realizar alguns movimentos e emitir alguns sons. As fotos da exibição do “Rastus” são um dos documentos mais chocantes sobre racismo na história da tecnologia.

Um bom antídoto para essa questão é a leitura do recémlança­do livro “Black Software”, que trata justamente da relação entre raça e tecnologia. Escrita por Charlton McIIlwain, professor e vice-reitor da Universida­de de Nova York, a obra retrata o papel crucial de engenheiro­s de software, pesquisado­res e empreended­ores negros desde os anos 1950 na construção da internet e da computação como conhecemos hoje.

O livro faz também uma análise aprofundad­a da relação conturbada entre tecnologia e raça, mostrando os inúmeros desafios com relação a isso.

Muitas vezes achamos que a tecnologia é “neutra” e que o problema é o uso que fazemos dela. A questão é que tecnologia é produto de design, o que embute inúmeras escolhas.

Ter dimensão de erros como o “Rastus” ajuda a prevenir que o design no presente repita o passado.

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Já era Achar que a tecnologia é sempre neutra

Já é Assistente­s virtuais com voz sempre feminina como padrão

Já vem Questões cada vez maiores sobre igualdade de gênero em assistente­s de voz

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