Folha de S.Paulo

‘Indústria Americana’ olha a história pelo ciclo da tecnologia

- Miguel de Almeida

Faça uma experiênci­a e veja na sequência, primeiro, “Democracia em Vertigem” e, depois, “Indústria Americana”, de Steven Bognar e Julia Reichert. Ambos estão na Netflix e concorrem ao Oscar.

Ao final, pode chorar: enquanto a produção americana, sob a grife do casal Obama, discute o presente e o futuro das relações ser humanonova economia, o filme brasileiro atesta como o Brasil deixou de ser o país do futuro para se transforma­r (na frase de Oswald de Andrade) num monte de gente dando adeus.

A agenda discutida em “Indústria Americana” diz respeito àquilo que resultou em Trump: uma fábrica da General Motors, em Ohio, fechou em 2008. Em 2015, foi reaberta como Fuyao Glass America. Com um detalhe: o dinheiro, a tecnologia e o modo de produção eram chineses.

O choque entre as duas culturas —chinesa e americana— dirá muito sobre as questões da contempora­neidade. Os chineses acham os americanos preguiçoso­s e ineficient­es. Trabalham só cinco dias por semana, oito horas diárias. Tagarelam sem parar.

Os americanos reclamam da jornada extenuante e ainda das questões de segurança no trabalho. Os chineses falam em atingir metas, recuperar o investimen­to e dar lucro.

Outro nó: os operários americanos querem uma célula do sindicato dentro da fábrica. Diz o presidente mundial da FGA, que é chinês: “Não queremos sindicato aqui. Vai atrapalhar nossa produtivid­ade”.

Vale dizer, na China os dirigentes comunistas oferecem a seus trabalhado­res o mesmo cenário descrito por Dickens em suas novelas sobre o início da Revolução Industrial.

O presidente chinês da FGA não se importa: “O objetivo da vida é trabalho”. Mas todos os operários americanos estão felizes de voltar a ter seus empregos —mesmo que seus salários não alcancem o valor antes praticado pela GM (aquela que fechou). Acho que Marx estudou isso —e os chineses praticam com eficiência o uso do Exército Industrial de Reserva.

Ao final, a questão crucial: a FGA será quase totalmente robotizada. Tantos chineses quanto americanos se defrontam com as novas tecnologia­s de produção. O que fazer com tantos trabalhado­res substituíd­os por máquinas? O capital persegue produtivid­ade, lucro e eficiência.

Mais: o dinheiro hoje vive no pós-nações, como sempre, em busca de lucro. E nem chinês comuna rasga dinheiro, os americanos percebem.

Enquanto “Indústria Americana” se embala em enxergar a história pelo ciclo da tecnologia, “Democracia em Vertigem” mastiga o conceito marxista de luta de classes.

No documentár­io de Petra Costa, é aquele tatibitate : golpe das elites contra o governo dostrabalh­adores,acorrupção no Brasil é comum a todos os matizes políticos… E que a coitada da esquerda petista foi enredada pela direita corrupta.

Vale lembrar: Lula surgiu como líder sindical e seu PT nasceu ancorado em outras lideranças sindicais.

O que acontece se pensarmos na crítica do dirigente chinês ao papel dos sindicatos? Para pôr sua fábrica no lucro, o presidente da FGA busca acertar processos e não poupa trocar seus comandados. Na narrativa de Petra, os culpados são sempre os outros —as elites, os bancos, a direita. Os 12 milhões de desemprega­dos da era petista? É um detalhe.

Como “Democracia em Vertigem” é um libelo, a realidade já o tornou (ainda) mais velho. Dilma não conseguiu se eleger senadora e o “golpista” Temer foi preso. E Lula diz que não é necessário fazer autocrític­a.

Indústria Americana EUA, 2019. Direção: Steven Bognar e Julia Reichert. Disponível na Netflix. 12 anos

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Ricardo Stuckert/Divulgação Lula em cena de ‘Democracia em Vertigem’

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