Folha de S.Paulo

‘For Sama’ mostra rotina de sírios em cidade sitiada

- Teo Bugbee Tradução de Clara Allain

the new york times O comovente documentár­io “For Sama”, indicado ao Oscar, reserva um momento para a leveza quando Waad al-Khateab filma seu marido, Hamza alKhateab, contando uma piada comum na cidade deles, Aleppo, na Síria: se você quer estar a salvo dos ataques do governo, vá para a linha de frente.

Hospitais, como o que Hamza dirige, não garantem a segurança de ninguém —os lugares que prometem santuário são os alvos mais frequentes das bombas do governo.

Amigos e aliados, Waad e Hamza estavam vivendo em Aleppo quando sírios começaram a protestar contra o governo, em 2012. Animada com a promessa de uma revolução, Waad empunhou sua câmera, enquanto Hamza abriu um hospital na parte oriental da cidade, sob controle rebelde.

Waad continuou a filmar por cinco anos. Em 2016 ela e Hamza já estavam casados e o hospital que ele dirigia era o único que resistira aos ataques aéreos russos e sírios lançados para calar a rebelião contra o governo autoritári­o de Bashar al-Assad.

“For Sama” compila imagens filmadas por Waad alKhateab em Aleppo enquanto ela e seu marido viveram entre outros cidadãos na cidade sitiada. Em um tom de intimidade instigante, ela narra o filme para sua filha Sama, nascida em janeiro de 2016. O primeiro ano de vida de Sama é marcado por chuvas de bombas. Ela não chora como uma criança normal, observa Waad, que se pergunta o que sua filha pensará de sua opção de permanecer na cidade.

Embora Waad filme sua família, “For Sama” passa longe do registro sentimenta­l. Ela, jornalista, e seu marido, médico, exercem profissões notadas por sua seriedade e por prestarem um serviço à população. Quando Waad volta sua câmera para outros, ela enfoca os efeitos chocantes e brutais dos ataques de Assad.

As bombas destroçam Aleppo. Waad e seu codiretor britânico, Edward Watts, não escondem o impacto.

Essas imagens possuem valor jornalísti­co imediato e óbvio. Enquanto os bombardeio­s do governo sírio contra hospitais e escolas continuam, “For Sama” traz um relato coerente de uma crise humanitári­a desde a perspectiv­a dos feridos e deslocados.

Mas de modo igualmente crucial e possivelme­nte mais convincent­e, a filmagem reflexiva de Waad proporcion­a ao espectador uma visão do dia a dia da guerra de um modo com que todos podem se identifica­r. Exemplos de bravura profunda coexistem com normalidad­e absoluta. Amigos ainda se reúnem para jantar, as pessoas ainda contam histórias a seus filhos quando os põem para dormir, elas ainda precisam cozinhar, fazer a faxina e dormir.

Os ativistas do filme, inclusive a própria Waad, não falam a linguagem dos filósofos ou políticos. Suas aspirações simples —plantar um jardim, mandar seus filhos à escola em segurança— demonstram a brutalidad­e da reação do governo, mas também convidam o espectador a se verem na pele desses dissidente­s políticos modestos.

Sem fazer alarde disso, “For Sama” incentiva o espectador a se perguntar: “Por quanto tempo eu desafiaria a tirania se meu mundo estivesse desmoronan­do à minha volta?”.

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