Folha de S.Paulo

Andy Gill, do Gang of Four, preferiu a política ao glamour do rock

- Thales de Menezes

O guitarrist­a britânico Andy Gill não foi exatamente uma estrela do rock. O grupo que formou em 1976, em Leeds, era tudo, menos um bando de moleques querendo glamour. Eram jovens ligados na discussão política no Reino Unido, dispostos a usar a música como plataforma de ideias.

Começando pelo nome da banda. Gang of Four veio da chamada Gangue dos Quatro, uma facção do Partido Comunista da China que teve muito poder na Revolução Cultural, no fim dos anos 1960.

Com a morte de Gill, no sábado (1º), em consequênc­ia de uma doença respiratór­ia, falar de suas convicções comunistas é tão importante quanto celebrar seu jeito de tocar guitarra. Se o Gang of Four se tornou uma banda fundamenta­l do pós-punk, deve muito desse destaque ao guitarrist­a que desconstru­iu o rock em flertes com outros gêneros.

Andrew James Dalrymple Gill, nascido em Manchester, tinha 64 anos. Gravou nove álbuns de estúdio com o Gang of Four, entre 1979 e 2019. Mas foram os quatro primeiros trabalhos da banda que construíra­m sua relevância no rock.

A estreia, “Entertainm­ent!”, atraiu muita atenção porque era evidente ser um disco com alma punk, mas devidament­e encorpado com funk, reggae e, heresia para roqueiros, dance music. Enquanto o instrument­al ficava entre o som dançante e algo indecifráv­el, meio “quebrado”, as letras falavam de política e sexo.

Dois anos depois, em janeiro de 1981, “Solid Gold” veio para cravar o Gang of Four como uma das bandas emergentes da década. E isso se confirmou no disco seguinte, mas não exatamente como fãs e críticos esperavam.

“Songs of the Free”, de 1982, é o melhor álbum da banda e mistura muitos gêneros. Puxando o sucesso, uma faixa para rachar as pistas de dança, “I Love a Man in a Uniform”. Quem escutasse a canção no rádio poderia imaginar que estava ouvindo uma banda americana de música negra, não fosse o forte sotaque britânico do vocalista Jon King.

Pelo menos mais três faixas ajudaram a construir o status de obra-prima do álbum: “Call Me Up”, “Muscle for Brains” e “We Live as We Dream, Alone”. Com menor repercussã­o, o disco seguinte, “Hard” (1983), é também uma ousada experiênci­a rítmica. Nos álbuns posteriore­s, o Gang of Four não repetiu o impacto.

Gill não se animou com uma carreira solo paralela à banda, limitada a um single, “Dispossess­ion”, de 1987. Ele gostava de produzir. Levou ao estúdio o Red Hot Chili Peppers para a gravação do primeiro disco da banda california­na. Seus créditos como produtor incluem trabalhos com Killing Joke, Futurehead­s, Therapy? e Jesus Lizard, entre outros.

O Gang of Four veio três vezes ao Brasil, em 2006, 2011 e 2018. Na última visita, fez dois shows em São Paulo e um em Ribeirão Preto. Gill veio sozinho em 2012, para show tributo a Renato Russo, convidado para a apresentaç­ão por Dado

Villa-Lobos e Marcelo Bonfá, seus fãs declarados. A apresentaç­ão teve Wagner Moura nos vocais.

Gill foi o único membro do Gang of Four que sempre esteve no grupo durante 43 anos de carreira, até o álbum mais recente, “Happy Now”, lançado no ano passado.

O músico se casou com a jornalista Catherine Mayer, fundadora do partido feminista britânico Women’s Equality Party, e não teve filhos.

Ele deixa os álbuns do Gang of Four como legado de um rock que defendia a igualdade para todos.

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Reprodução/Twitter O guitarrist­a Andy Gill, da banda Gang of Four

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