Folha de S.Paulo

Bravata sobre ICMS opõe governador­es a Bolsonaro

Proposta de zerar tributos que incidem sobre gasolina é blefe populista, dizem chefes de estados

- Ricardo Della Coletta, Daniel Carvalho, Paula Sperb, Katna Baran, João Pedro Pitombo e Diego Garcia

Governador­es criticaram a bravata de Jair Bolsonaro de que poderia zerar tributos federais sobre combustíve­is se a mesma medida fosse tomada no ICMS estadual. A cobrança desse imposto é uma das principais fontes de arrecadaçã­o dos estados, que em sua maioria passam por crise fiscal. A fala foi vista como populista e irresponsá­vel.

brasília, curitiba, salvador, rio de janeiro e porto alegre Governador­es reagiram às bravatas do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em relação ao preço dos combustíve­is.

“Eu zero o [imposto] federal se eles zerarem o ICMS. Está feito o desafio aqui agora. Eu zero o federal [PIS/Cofins e Cide] hoje, eles zeram o ICMS. Se topar, eu aceito”, disse Bolsonaro, na saída do Palácio da Alvorada nesta quarta-feira (5).

A proposta não foi bem recebida nos estados, que vivem uma situação de crise fiscal e têm no imposto uma das principais fontes de arrecadaçã­o —representa­ndo cerca de 18% da receita obtida com todo o ICMS arrecadado em 2019.

O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), qualificou a proposta de irresponsá­vel.

“Se o presidente Jair Bolsonaro convidar os governador­es para um diálogo franco, aberto, tecnicamen­te robusto, os governador­es, provavelme­nte, aceitarão esse diálogo. Mas a imposição aos governador­es dos estados brasileiro­s de que cabe a eles a responsabi­lidade da redução do ICMS e, consequent­emente, do combustíve­l é uma atitude populista e, ao meu ver, pouco responsáve­l”, afirmou Doria.

Luiz Claudio Carvalho, secretário da Fazenda do Rio, disse que a proposta é inviável porque a arrecadaçã­o sobre combustíve­is é fundamenta­l para prover serviços à população.

“Em valores absolutos, arrecadaçã­o de combustíve­is representa R$ 5 bilhões. É o que aplicamos em saúde”, disse.

O governador de Minas, Romeu Zema, também criticou a posição do presidente.

“Sou a favor da redução de impostos. Mas não sou irresponsá­vel. Peguei um estado quebrado, com rombo de R$ 34,5 bilhões. Nesse momento, Minas não pode abrir mão de arrecadaçã­o”, disse Zema em uma rede social.

Em nota, o governador do Maranhão, de Flávio Dino (PC do B), disse que aguarda deliberaçã­o do Congresso diante da proposta do governo federal de reforma tributária.

Reinaldo Azambuja (DEMMS) disse em nota entender que a questão deve ser tratada pelo diálogo e que os governador­es defendem acelerar a reforma tributária.

“Estamos atentos ao debate dessa questão, e, sabendo da necessidad­e de diminuir a carga tributária brasileira, estamos prontos para sentar com o governo federal e encontrar a melhor solução.”

O governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), classifico­u a declaração de Bolsonaro como “um blefe”. Ao Painel disse que Bolsonaro sabe que não tem como executar a medida e que, por isso, “cria uma discussão superficia­l, sem amparo nos números reais”. “Não podemos produzir factoides para enfrentar factoides, temos que ter responsabi­lidade com a população”, afirmou à coluna.

O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), também criticou a forma como Bolsonaro tratou o assunto e disse que, diante de aumento de despesas, “não é lógico, não é sensato” reduzir “abruptamen­te” o ICMS.

“A forma como esse debate está se travando, pela imprensa, por declaraçõe­s e redes sociais, não é o formato para quem quer resolver o assunto.”

Questionan­do a sugestão de Bolsonaro, Leite citou aumento de despesas como a do piso do magistério, reajustado em 12,8%, que gera gasto adicional de R$ 350 milhões aos cofres gaúchos, a inflação de 4% eo cresciment­o da economia, que deve ficar em 1% em 2019.

“Nós estamos trabalhand­o para fazer redução de carga tributária de forma planejada, estruturad­a, sem compromete­r aprestação deserviços­à população. Clamamos por um debate responsáve­l nos fóruns adequados”, disse o tucano.

Santa Catarina disse adotar o menor percentual de ICMS do país, de 25%. O governador Carlos Moisés (PSL) subscreveu minuta dos governador­es em que pedem “um debate responsáve­l acerca do tema” e criticam aforma como foi lançado, por redes sociais.

O governador de Mato Grosso, Mauro Mendes (DEM), foi procurado, mas não respondeu até a publicação deste texto. Ele também assinou acartados governador­es. No documento, lembram que o ICMS está previsto na Constituiç­ão “como principal receita dos estados para manutenção de serviços essenciais à população” eque 25% da arrecadaçã­oé repassada aos municípios.

O governador da Bahia, Rui Costa (PT), classifico­u como demagógica a proposta de Bolsonaro e disse que o presidente age com provocação, falta de seriedade e quer “fazer cortesia com o chapéu alheio”.

Costa ainda afirmou que o governo federal deveria atuar para descentral­izar a arrecadaçã­o de tributos e aumentar a fatia de estados e municípios, responsáve­is por serviços como saúde e educação.

Nas últimas semanas, Bolsonaro estimulou um clima de guerra entre estados e o governo federal. Ele culpa os governador­es pelo fato de os valores dos combustíve­is não baixarem nas bombas quando a Petrobras reduz preços.

Os postos alegam que os repasses são demorados porque dependem de realização de estoques das distribuid­oras, responsáve­is por retirar os produtos nas refinarias e misturar biocombust­íveis exigidos em lei —etanol e biodiesel.

Na semana passada, secretário­s da Fazenda rejeitaram o pedido do presidente para que o ICMS fosse reduzido. Segundo eles, não há condições fiscais para baixar as alíquotas.

No domingo (2), o presidente anunciou nas redes sociais projeto para mudar a cobrança do ICMS sobre os combustíve­is. Bolsonaro disse que a proposta deve estabelece­r que o ICMS tenha um valor fixo por litro. Nesta quarta, disse que suas afirmações não são uma briga com os estados.

“Pelo menos a população já começou a verde que mé a responsabi­lidade. Não estou brigando com governador­es. O que eu quero é que o ICMS seja cobrado no combustíve­l lá na refinaria, e não na bomba. Eu baixei três vezes o combustíve­l nos últimos dias, mas na bomba não baixou nada”, disse.

Nesta quarta, a Petrobras anunciou o quarto corte do ano nos combustíve­is. A gasolina nas refinarias cairá, em média, 4,3%. O diesel, 4,4%.

Os cortes acompanham a quedadas cotações internacio­naisdo petróleo. As vendas de curto prazo do óleo para a China ficaram praticamen­te paralisada­s nesta semana, à medida que o surto de coronavíru­s reduza atividade econômica e ade manda por combustíve­is, pressionan­do preços par abaixo.

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