Bravata sobre ICMS opõe governadores a Bolsonaro
Proposta de zerar tributos que incidem sobre gasolina é blefe populista, dizem chefes de estados
Governadores criticaram a bravata de Jair Bolsonaro de que poderia zerar tributos federais sobre combustíveis se a mesma medida fosse tomada no ICMS estadual. A cobrança desse imposto é uma das principais fontes de arrecadação dos estados, que em sua maioria passam por crise fiscal. A fala foi vista como populista e irresponsável.
brasília, curitiba, salvador, rio de janeiro e porto alegre Governadores reagiram às bravatas do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em relação ao preço dos combustíveis.
“Eu zero o [imposto] federal se eles zerarem o ICMS. Está feito o desafio aqui agora. Eu zero o federal [PIS/Cofins e Cide] hoje, eles zeram o ICMS. Se topar, eu aceito”, disse Bolsonaro, na saída do Palácio da Alvorada nesta quarta-feira (5).
A proposta não foi bem recebida nos estados, que vivem uma situação de crise fiscal e têm no imposto uma das principais fontes de arrecadação —representando cerca de 18% da receita obtida com todo o ICMS arrecadado em 2019.
O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), qualificou a proposta de irresponsável.
“Se o presidente Jair Bolsonaro convidar os governadores para um diálogo franco, aberto, tecnicamente robusto, os governadores, provavelmente, aceitarão esse diálogo. Mas a imposição aos governadores dos estados brasileiros de que cabe a eles a responsabilidade da redução do ICMS e, consequentemente, do combustível é uma atitude populista e, ao meu ver, pouco responsável”, afirmou Doria.
Luiz Claudio Carvalho, secretário da Fazenda do Rio, disse que a proposta é inviável porque a arrecadação sobre combustíveis é fundamental para prover serviços à população.
“Em valores absolutos, arrecadação de combustíveis representa R$ 5 bilhões. É o que aplicamos em saúde”, disse.
O governador de Minas, Romeu Zema, também criticou a posição do presidente.
“Sou a favor da redução de impostos. Mas não sou irresponsável. Peguei um estado quebrado, com rombo de R$ 34,5 bilhões. Nesse momento, Minas não pode abrir mão de arrecadação”, disse Zema em uma rede social.
Em nota, o governador do Maranhão, de Flávio Dino (PC do B), disse que aguarda deliberação do Congresso diante da proposta do governo federal de reforma tributária.
Reinaldo Azambuja (DEMMS) disse em nota entender que a questão deve ser tratada pelo diálogo e que os governadores defendem acelerar a reforma tributária.
“Estamos atentos ao debate dessa questão, e, sabendo da necessidade de diminuir a carga tributária brasileira, estamos prontos para sentar com o governo federal e encontrar a melhor solução.”
O governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), classificou a declaração de Bolsonaro como “um blefe”. Ao Painel disse que Bolsonaro sabe que não tem como executar a medida e que, por isso, “cria uma discussão superficial, sem amparo nos números reais”. “Não podemos produzir factoides para enfrentar factoides, temos que ter responsabilidade com a população”, afirmou à coluna.
O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), também criticou a forma como Bolsonaro tratou o assunto e disse que, diante de aumento de despesas, “não é lógico, não é sensato” reduzir “abruptamente” o ICMS.
“A forma como esse debate está se travando, pela imprensa, por declarações e redes sociais, não é o formato para quem quer resolver o assunto.”
Questionando a sugestão de Bolsonaro, Leite citou aumento de despesas como a do piso do magistério, reajustado em 12,8%, que gera gasto adicional de R$ 350 milhões aos cofres gaúchos, a inflação de 4% eo crescimento da economia, que deve ficar em 1% em 2019.
“Nós estamos trabalhando para fazer redução de carga tributária de forma planejada, estruturada, sem comprometer aprestação deserviçosà população. Clamamos por um debate responsável nos fóruns adequados”, disse o tucano.
Santa Catarina disse adotar o menor percentual de ICMS do país, de 25%. O governador Carlos Moisés (PSL) subscreveu minuta dos governadores em que pedem “um debate responsável acerca do tema” e criticam aforma como foi lançado, por redes sociais.
O governador de Mato Grosso, Mauro Mendes (DEM), foi procurado, mas não respondeu até a publicação deste texto. Ele também assinou acartados governadores. No documento, lembram que o ICMS está previsto na Constituição “como principal receita dos estados para manutenção de serviços essenciais à população” eque 25% da arrecadaçãoé repassada aos municípios.
O governador da Bahia, Rui Costa (PT), classificou como demagógica a proposta de Bolsonaro e disse que o presidente age com provocação, falta de seriedade e quer “fazer cortesia com o chapéu alheio”.
Costa ainda afirmou que o governo federal deveria atuar para descentralizar a arrecadação de tributos e aumentar a fatia de estados e municípios, responsáveis por serviços como saúde e educação.
Nas últimas semanas, Bolsonaro estimulou um clima de guerra entre estados e o governo federal. Ele culpa os governadores pelo fato de os valores dos combustíveis não baixarem nas bombas quando a Petrobras reduz preços.
Os postos alegam que os repasses são demorados porque dependem de realização de estoques das distribuidoras, responsáveis por retirar os produtos nas refinarias e misturar biocombustíveis exigidos em lei —etanol e biodiesel.
Na semana passada, secretários da Fazenda rejeitaram o pedido do presidente para que o ICMS fosse reduzido. Segundo eles, não há condições fiscais para baixar as alíquotas.
No domingo (2), o presidente anunciou nas redes sociais projeto para mudar a cobrança do ICMS sobre os combustíveis. Bolsonaro disse que a proposta deve estabelecer que o ICMS tenha um valor fixo por litro. Nesta quarta, disse que suas afirmações não são uma briga com os estados.
“Pelo menos a população já começou a verde que mé a responsabilidade. Não estou brigando com governadores. O que eu quero é que o ICMS seja cobrado no combustível lá na refinaria, e não na bomba. Eu baixei três vezes o combustível nos últimos dias, mas na bomba não baixou nada”, disse.
Nesta quarta, a Petrobras anunciou o quarto corte do ano nos combustíveis. A gasolina nas refinarias cairá, em média, 4,3%. O diesel, 4,4%.
Os cortes acompanham a quedadas cotações internacionaisdo petróleo. As vendas de curto prazo do óleo para a China ficaram praticamente paralisadas nesta semana, à medida que o surto de coronavírus reduza atividade econômica e ade manda por combustíveis, pressionando preços par abaixo.