A conta da meia-entrada
A respeito de equívocos em torno desse benefício.
Um evento de apoio de artistas sertanejos ao presidente Jair Bolsonaro, no Planalto, descambou para um lobby desastrado —embora não de todo desprovido de razão— contra a meia-entrada em espetáculos culturais e esportivos.
De início, o plano parecia funcionar. Os músicos manifestaram endosso ao governo; um representante dos produtores culturais chamou a meia-entrada de “injustiça histórica”; o presidente se disse apaixonado pelo gênero sertanejo e prometeu ajudar no que pudesse.
Faltou combinar com uma parcela ruidosa da plateia, que, com medo de perder o benefício, usou as redes sociais para pressionar seus ídolos. Na sequência, boa parte dos artistas tratou de se afastar publicamente da causa espinhosa.
O setor de diversões tem de fato motivos para reclamar da meiaentrada, embora seja falsa a alegação de que os produtores arquem com os custos do subsídio.
No Brasil, os preços são livres. Os empresários que cobram pelos ingressos levam em conta, obviamente, o fato de que muitos espectadores pagarão 50% do valor fixado. Na prática, quem de fato paga pela benesse é o público que não tem acesso a ela —ou seja, adultos não estudantes nem idosos.
Para os produtores, o transtorno consiste na dificuldade adicional para o cálculo dos preços, além do risco de afastar consumidores em potencial com valores exagerados. A situação já foi pior, contudo.
A sistemática melhorou com a lei 12.933, de 2013, que limitou em 40% do total de ingressos a destinação obrigatória a meias-entradas.
Em tese, os empresários do setor poderiam resolver o problema sozinhos, sem necessidade de ajuda do governo, simplesmente concedendo a vantagem a todos os clientes, o que não é proibido por lei.
Nessa manobra ilusionista, todos pagariam o mesmo: na prática, o necessário para custear o espetáculo, mais o lucro esperado. Nenhum grupo seria sobretaxado —e, quem sabe, haveria quem acreditasse estar pagando a metade.
Mais honesto, é evidente, seria extinguir a meia-entrada, ao menos nos moldes mal focalizados de hoje. Se governantes e legisladores entenderem que se deve conceder algum tipo de subsídio para o acesso à cultura, melhor destiná-lo ao público que realmente não dispõe dos meios materiais suficientes.
Benefícios, afinal, não brotam do nada. A medida de seu papel social depende de identificar quem os recebe e quem arca com os custos.