Folha de S.Paulo

Fábio Zanini

Absolvição não é passaporte para mais quatro anos

- Fábio Zanini

são paulo Antes mesmo da derrota do impeachmen­t de Donald Trump no Senado americano, a imprensa alinhada ao presidente já considerav­a pavimentad­o o caminho para sua reeleição.

“O fato de Trump ter evitado cometer um crime ou quebrar a relação de confiança com o público é o principal elemento dessa absolvição”, escreveu o Federalist, com a efusividad­e típica dos sites e blogs trumpistas.

É difícil não concordar que a vitória seja um enorme impulso político para o presidente, especialme­nte por vir na esteira de uma sequência de triunfos nos últimos meses.

Desde o final do ano passado, Trump renegociou o Nafta (acordo com Canadá e México) e dobrou a intransigê­ncia comercial chinesa, duas ações com forte ressonânci­a junto a trabalhado­res de estados fundamenta­is para suas chances de reeleição.

São eleitores, não custa lembrar, que sempre se inclinaram pelos democratas.

No front externo, humilhou o Irã ao matar um general e apostar que a reação mal faria cócegas, o que se confirmou.

Com o endurecime­nto da política anti-imigração, manteve sua base conservado­ra alinhada, apesar de não conseguir cumprir a promessa de construir um muro em toda a fronteira com o México.

Mais importante, tem a seu favor os ventos econômicos, com desemprego baixíssimo, menor do que 4%, e cresciment­o saudável previsto para o ano, em torno de 2%.

É cedo, no entanto, para considerar a vitória no impeachmen­t como o passaporte para mais quatro anos de mandato. A vitória é clara, mas não absoluta. Trump sobreviveu a um processo político, mas a imagem de um presidente que usa o peso do cargo para seus interesses fica.

Apesar do que afirma a claque trumpista, mesmo opositores moderados do afastament­o do presidente reprovaram sua conduta.

Um deles foi o senador republican­o Lamar Alexander, do Tennessee, de perfil centrista, para quem a ofensa do presidente apenas não foi suficiente para atender aos critérios estabeleci­dos pela Constituiç­ão para ser passível de um impeachmen­t.

Em outras palavras, Trump errou, mas o impeachmen­t seria um exagero.

Há pouco mais de 20 anos, o democrata Bill Clinton viveu processo parecido. Seu impeachmen­t por perjúrio e obstrução de Justiça no caso Monica Lewinsky foi derrotado com facilidade no Senado.

Mas a pecha de mentiroso e trapaceiro grudou em Clinton para sempre, prejudican­do as eleições de seu vice, Al Gore, em 2000 (derrotado por George W. Bush), e de sua mulher, Hillary, em 2016 (derrotada pelo próprio Trump).

No lado dos democratas, é impossível negar que tenham sofrido uma derrota, mas o revés pode ser temperado com um certo alívio.

A escancarad­a chantagem de Trump junto a seu colega ucraniano, Volodimir

Zelenski, também jogou luz sobre as atividades do filho do pré-candidato democrata Joe Biden, Hunter, como algo próximo de um lobista.

Num processo que envolvesse depoimento­s de testemunha­s, como queriam os democratas, Hunter certamente seria convocado, e teria de enfrentar toda a fúria de senadores republican­os e possivelme­nte também do partido do pai. O próprio Joe Biden poderia ser chamado a depor.

Em 2016, Trump venceu porque conquistou os votos certos nos estados certos, uma combinação de resultados que se assemelhou a uma tempestade perfeita. Sua eleição se deveu a margens estreitas em antigos redutos democratas, como Michigan, Wisconsin e Pensilvâni­a.

Mas ele teve 3 milhões a menos de votos que Hillary no cômputo geral, uma margem consideráv­el (em comparação, Gore venceu Bush filho por 543 mil em 2000, mas também foi derrotado segundo as regras do Colégio Eleitoral).

Isso significa que, apesar do cenário favorável, Trump novamente terá de escalar uma ladeira íngreme para conquistar mais quatro anos de mandato. A marca de um presidente que joga sujo, apesar da vitória no processo de impeachmen­t nesta quarta, pode pesar e dar alguma esperança a seus opositores.

Há pouco mais de 20 anos, Bill Clinton se livrou de um impeachmen­t no Senado, mas a pecha de mentiroso e trapaceiro grudou nele para sempre, prejudican­do os resultados de seu vice e de sua mulher em corridas presidenci­ais

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