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Indicado ao Oscar, ‘Jojo Rabbit’ causa polêmica ao adotar tom cômico para falar sobre Hitler

- Rodrigo Salem

los angeles Após anos atuando no espectro do cinema cult, o diretor Taika Waititi ganhou Hollywood ao lançar “Thor: Ragnarok” (2017), sequência que reinventou uma das franquias mais cansativas da Marvel. O passo mais lógico para o neozelandê­s seria surfar na onda da fama e assumir algum blockbuste­r bilionário.

Mas Waititi decidiu percorrer um caminho incomum. Ele desengavet­ou “Jojo Rabbit”, sátira ambientada na Segunda Guerra Mundial sobre um menino alemão que fantasia sobre a ideologia nazista e imagina Adolf Hitler como seu herói e melhor amigo — até sua amizade desmoronar quando encontra uma moça judia escondida em sua casa.

A história é baseada no livro “OCéuqueNos­Oprime”,deChristin­e Leunens, obra sugerida ao cineasta pela própria mãe, há dez anos. “Aprendi que devo ouvir mais minha mãe”, brinca o bem-humorado Waititi em entrevista a este repórter.

“Na época, estava lendo sobre a Guerra da Bósnia, algo quenãodeib­olaquandoa­conteceu,porqueeuer­aumadolesc­ente desinforma­do e tudo parecia distante. Mas vi relatos de crianças testemunha­ndo atrocidade­s e imaginei como seria crescer na Segunda Guerra.”

Apesar do tom dramático da obra literária, ele fez uma adaptação para o cinema com os elementos cômicos comuns à sua filmografi­a. A principal delas é o Hitler bufão vivido pelo próprio Waititi, que só aparece para o pequeno Jojo (Roman Griffin Davis). “Nunca tive a intenção de interpreta­r esse papel”, diz o cineasta e ator.

O problema é que o estúdio Fox Searchligh­t só compraria o filme sob a condição do diretor assumir o papel do genocida mais famoso da história. “Olhem para mim, não entro em nenhuma lista de atores arianos. Pensei que eles estavam entrando em liquidação e tentando destruir a empresa”, brinca Waititi, filho de maori e neto de judeu.

“A palavra perfeita para descrever a sensação de interpreta­rHitleréve­rgonha”,completa ele, que, durante as filmagens, fazia questão de usar boné e tirar o bigode falso atrás das câmeras. “Ficava envergonha­do o tempo todo, de me vestir daquele jeito e parecer daquela maneira. Precisava me lembrar que não estava atuando como o Hitler de verdade.”

O asco era tão grande que Waititi diz que não quis nem mesmo a pesquisar sobre o líder nazista. “Ele não merece uma representa­ção autêntica. Não perderia meu tempo estudando aquele sujeito e suas nuances, porque ele não merece”, explica o cineasta. “O máximo que fiz foi colocar o bigodinho e o imaginei como se tivesse dez anos, pois ele é fruto da mente de uma criança dessa idade. O papel ficou mais suportável assim.”

O longa ganhou força com a aproximaçã­o do Oscar. Foi indicado em seis categorias, inclusive melhor filme, roteiro adaptado e atriz coadjuvant­e para Scarlett Johansson, que faz a mãe de Jojo, uma mulher alemã de visão contrária à do governo do seu país, mas inteligent­e o suficiente para combater o nazismo na surdina.

A escolha do tom satírico, e até pastelão, para retratar o último ano da Segunda Guerra não passou incólume. Na Alemanha, o longa enfrentou a resistênci­a dos críticos, que não aceitam que o assunto seja tratado como comédia.

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Divulgação Taika Waititi e Roman Griffin Davis vivem uma versão imaginária de Hitler e um garoto alemão, respectiva­mente, no filme ‘Jojo Rabbit’

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