Senado americano absolve Donald Trump em processo de impeachment
Presidente, candidato à reeleição neste ano, permanece no cargo após ser alvo de duas acusações
SÃO PAULO A escrita se manteve: nenhum presidente na história dos Estados Unidos jamais foi retirado do cargo.
Após Andrew Johnson, em 1868, e Bill Clinton, em 1999, Donald Trump se tornou, na noite desta quarta-feira (5), o terceiro líder americano absolvido pelo Senado em um processo de impeachment.
Protegido pelos senadores de seu partido, o Republicano, Trump foi inocentado com 52 votos contrários (e 48 a favor) ao artigo que o acusava de abuso de poder e 53 (contra 47) quanto a obstrução do Congresso. Eram necessários ao menos 67 apoios —dois terços da Casa— para tirá-lo da Presidência dos EUA.
Assim, ele se livra das acusações de pressionar o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, a investigar o rival democrata Joe Biden e seu filho Hunter, e de obstruir a apuração do caso pelo Congresso após o episódio vir à tona.
Minutos após a votação, Trump republicou no Twitter um vídeo que mostra sua reeleição sendo repetida a partir de 2024 por milhares de anos até terminar com “Trump 4EVA” (para sempre).
Em seguida, ele escreveu que faria uma declaração pública na Casa Branca nesta quinta (6) para discutir “a VITÓRIA do nosso país na farsa do impeachment”.
A absolvição veio com apoio quase total do Partido Republicano no Senado, onde Trump não é unanimidade.
Mitt Romney, de Utah, um costumeiro crítico do presidente e que já havia votado a favor da convocação de novas testemunhas no processo, foi o voto republicano solitário pela condenação de Trump por abuso de poder.
A decisão, no entanto, não alterou o previsível resultado do julgamento.
Com 53 assentos no Senado (de um total de 100), a maioria republicana já desenhava, desde o começo da crise, um panorama de difícil aprovação do impeachment —processo classificado por Trump como puramente partidário, uma “caça às bruxas” para derrubálo e uma tentativa de reverter o resultado do pleito de 2016.
Esse cenário fez com que a oposição resistisse por semanas a detonar o julgamento, iniciado em 24 de setembro, na Câmara dos Deputados, onde a maioria é democrata.
Nos meses seguintes, congressistas ouviram testemunhas, analisaram documentos e elaboraram um relatório final de 300 páginas que defendia a cassação do mandato.
O imbróglio que gerou o processo de impeachment partiu do telefonema do líder americano, em 25 de julho, ao então recém-eleito presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, a quem Trump pediu para investigar Joe Biden, pré-candidato democrata à Presidência e possível rival na eleição de novembro, e seu filho Hunter, ex-membro do conselho de uma empresa suspeita de corrupção na Ucrânia.
Dias depois, no começo de agosto, uma denúncia anônima à CIA, a agência de inteligência americana, a partir de relatos de pessoas que ouviram o telefonema ou tiveram acesso à transcrição da ligação, acusou o presidente de ter abusado do poder de seu cargo para obter ganhos pessoais —ameaçando, assim, o sistema eleitoral americano. Em 19 de setembro, o jornal The Washington Post revelou o caso.
Além do pedido de abertura de investigação, Trump havia congelado o envio de uma ajuda militar de US$ 391 milhões à Ucrânia como maneira de forçar Zelenski a fazer aquilo que ele desejava.
Na primeira votação na Câmara sobre o processo, 232 deputados foram favoráveis à continuação do inquérito, enquanto 196, contrários.
O placar mostrou a polarização da Casa e a fidelidade dos republicanos: nenhum parlamentar da legenda de Trump foi contrário a ele, e só dois democratas se rebelaram e votaram a favor do presidente.
A divisão partidária se repetiria em todas as votações subsequentes no Congresso.
Em audiências públicas, o Comitê de Inteligência da Câmara entrevistou 12 testemunhas do caso —todos atuais ou ex-integrantes do governo.
No depoimento, a ex-embaixadora dos EUA na Ucrânia Marie Yovanovitch afirmou que Trump fez uma “campanha de difamação” para tirála do cargo depois que ela se recusou a ajudar a pressionar Zelenski. Já Gordon Sondland, embaixador dos EUA para a União Europeia e doador republicano, disse que pressionou o líder ucraniano por “ordem expressa” de Trump.
As evidências levaram a uma sessão histórica no Congresso, na qual Trump se tornou o terceiro presidente americano a ter seu impeachment aprovado na Câmara.
Em 15 de janeiro, o processo seguiu ao Senado, em uma cerimônia coreografada, com deputados marchando em direção à Casa. Seria a última cena de vitória dos democratas.
A aposta da oposição era que novos documentos e testemunhos fossem incluídos no processo. Mesmo sem a condenação ao final, o presidente passaria semanas exposto a revelações desagradáveis.
Havia esperança de que alguns republicanos votassem contra o presidente e apoiassem a ampliação das investigações. Essa expectativa foi sepultada na noite da última quinta (30), quando, mesmo com o apoio de outros dois parlamentares republicanos, o senador republicano Lamar Alexander disse que votaria contra a proposta.
Ele classificou as ações de Trump como inapropriadas, mas afirmou que o caso não era digno de removê-lo do cargo. Sem novas informações, coube aos senadores apenas votar o relatório feito pela Câmara, que foi rejeitado.
Na reta final do processo, novas revelações sobre o caso que motivou a investigação seguiram vindo a público. John Bolton, ex-assessor de Segurança Nacional, escreveu em um livro a ser lançado que o presidente pediu a ele diretamente para intensificar a pressão sobre a Ucrânia, algo que Trump nega.
Sem a sombra do impeachment, Trump agora pode se dedicar à reeleição. Ele será o candidato do Partido Republicano e aguarda a definição de qual será seu rival democrata.
Trump foi o quarto presidente a ser alvo de um processo de impeachment. Nenhum deles foi cassado pelo Congresso. Richard Nixon se demitiu durante o processo, em 1974, antes de ser condenado, e os outros três nomes seguiram no cargo. A história, ao menos grande parte dela, se repetiu.
“O presidente se gabará de ter sido absolvido. Não pode haver absolvição sem julgamento, nem julgamento sem testemunhas, documentos e provas
Nancy Pelosi
deputada democrata e presidente da Câmara