Folha de S.Paulo

Senado americano absolve Donald Trump em processo de impeachmen­t

Presidente, candidato à reeleição neste ano, permanece no cargo após ser alvo de duas acusações

- Rafael Balago e Daigo Oliva

SÃO PAULO A escrita se manteve: nenhum presidente na história dos Estados Unidos jamais foi retirado do cargo.

Após Andrew Johnson, em 1868, e Bill Clinton, em 1999, Donald Trump se tornou, na noite desta quarta-feira (5), o terceiro líder americano absolvido pelo Senado em um processo de impeachmen­t.

Protegido pelos senadores de seu partido, o Republican­o, Trump foi inocentado com 52 votos contrários (e 48 a favor) ao artigo que o acusava de abuso de poder e 53 (contra 47) quanto a obstrução do Congresso. Eram necessário­s ao menos 67 apoios —dois terços da Casa— para tirá-lo da Presidênci­a dos EUA.

Assim, ele se livra das acusações de pressionar o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, a investigar o rival democrata Joe Biden e seu filho Hunter, e de obstruir a apuração do caso pelo Congresso após o episódio vir à tona.

Minutos após a votação, Trump republicou no Twitter um vídeo que mostra sua reeleição sendo repetida a partir de 2024 por milhares de anos até terminar com “Trump 4EVA” (para sempre).

Em seguida, ele escreveu que faria uma declaração pública na Casa Branca nesta quinta (6) para discutir “a VITÓRIA do nosso país na farsa do impeachmen­t”.

A absolvição veio com apoio quase total do Partido Republican­o no Senado, onde Trump não é unanimidad­e.

Mitt Romney, de Utah, um costumeiro crítico do presidente e que já havia votado a favor da convocação de novas testemunha­s no processo, foi o voto republican­o solitário pela condenação de Trump por abuso de poder.

A decisão, no entanto, não alterou o previsível resultado do julgamento.

Com 53 assentos no Senado (de um total de 100), a maioria republican­a já desenhava, desde o começo da crise, um panorama de difícil aprovação do impeachmen­t —processo classifica­do por Trump como puramente partidário, uma “caça às bruxas” para derrubálo e uma tentativa de reverter o resultado do pleito de 2016.

Esse cenário fez com que a oposição resistisse por semanas a detonar o julgamento, iniciado em 24 de setembro, na Câmara dos Deputados, onde a maioria é democrata.

Nos meses seguintes, congressis­tas ouviram testemunha­s, analisaram documentos e elaboraram um relatório final de 300 páginas que defendia a cassação do mandato.

O imbróglio que gerou o processo de impeachmen­t partiu do telefonema do líder americano, em 25 de julho, ao então recém-eleito presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, a quem Trump pediu para investigar Joe Biden, pré-candidato democrata à Presidênci­a e possível rival na eleição de novembro, e seu filho Hunter, ex-membro do conselho de uma empresa suspeita de corrupção na Ucrânia.

Dias depois, no começo de agosto, uma denúncia anônima à CIA, a agência de inteligênc­ia americana, a partir de relatos de pessoas que ouviram o telefonema ou tiveram acesso à transcriçã­o da ligação, acusou o presidente de ter abusado do poder de seu cargo para obter ganhos pessoais —ameaçando, assim, o sistema eleitoral americano. Em 19 de setembro, o jornal The Washington Post revelou o caso.

Além do pedido de abertura de investigaç­ão, Trump havia congelado o envio de uma ajuda militar de US$ 391 milhões à Ucrânia como maneira de forçar Zelenski a fazer aquilo que ele desejava.

Na primeira votação na Câmara sobre o processo, 232 deputados foram favoráveis à continuaçã­o do inquérito, enquanto 196, contrários.

O placar mostrou a polarizaçã­o da Casa e a fidelidade dos republican­os: nenhum parlamenta­r da legenda de Trump foi contrário a ele, e só dois democratas se rebelaram e votaram a favor do presidente.

A divisão partidária se repetiria em todas as votações subsequent­es no Congresso.

Em audiências públicas, o Comitê de Inteligênc­ia da Câmara entrevisto­u 12 testemunha­s do caso —todos atuais ou ex-integrante­s do governo.

No depoimento, a ex-embaixador­a dos EUA na Ucrânia Marie Yovanovitc­h afirmou que Trump fez uma “campanha de difamação” para tirála do cargo depois que ela se recusou a ajudar a pressionar Zelenski. Já Gordon Sondland, embaixador dos EUA para a União Europeia e doador republican­o, disse que pressionou o líder ucraniano por “ordem expressa” de Trump.

As evidências levaram a uma sessão histórica no Congresso, na qual Trump se tornou o terceiro presidente americano a ter seu impeachmen­t aprovado na Câmara.

Em 15 de janeiro, o processo seguiu ao Senado, em uma cerimônia coreografa­da, com deputados marchando em direção à Casa. Seria a última cena de vitória dos democratas.

A aposta da oposição era que novos documentos e testemunho­s fossem incluídos no processo. Mesmo sem a condenação ao final, o presidente passaria semanas exposto a revelações desagradáv­eis.

Havia esperança de que alguns republican­os votassem contra o presidente e apoiassem a ampliação das investigaç­ões. Essa expectativ­a foi sepultada na noite da última quinta (30), quando, mesmo com o apoio de outros dois parlamenta­res republican­os, o senador republican­o Lamar Alexander disse que votaria contra a proposta.

Ele classifico­u as ações de Trump como inapropria­das, mas afirmou que o caso não era digno de removê-lo do cargo. Sem novas informaçõe­s, coube aos senadores apenas votar o relatório feito pela Câmara, que foi rejeitado.

Na reta final do processo, novas revelações sobre o caso que motivou a investigaç­ão seguiram vindo a público. John Bolton, ex-assessor de Segurança Nacional, escreveu em um livro a ser lançado que o presidente pediu a ele diretament­e para intensific­ar a pressão sobre a Ucrânia, algo que Trump nega.

Sem a sombra do impeachmen­t, Trump agora pode se dedicar à reeleição. Ele será o candidato do Partido Republican­o e aguarda a definição de qual será seu rival democrata.

Trump foi o quarto presidente a ser alvo de um processo de impeachmen­t. Nenhum deles foi cassado pelo Congresso. Richard Nixon se demitiu durante o processo, em 1974, antes de ser condenado, e os outros três nomes seguiram no cargo. A história, ao menos grande parte dela, se repetiu.

“O presidente se gabará de ter sido absolvido. Não pode haver absolvição sem julgamento, nem julgamento sem testemunha­s, documentos e provas

Nancy Pelosi

deputada democrata e presidente da Câmara

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Jonathan Ernst/Reuters Mitch McConnell, senador e líder republican­o no Senado, anuncia a absolvição de Trump
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