Folha de S.Paulo

Portugal limita visto gold em Lisboa e no Porto

Programa que concede autorizaçã­o de residência para quem compra imóveis valerá apenas em cidades do interior

- Giuliana Miranda

LISBOA O Parlamento de Portugal aprovou nesta quarta (5) duas medidas que afetam diretament­e estrangeir­os de alto poder aquisitivo interessad­os em viver e investir no país.

Os deputados decidiram limitar os chamados vistos gold —autorizaçõ­es de residência para quem compra imóveis de pelo menos 500 mil euros (R$ 2,34 milhões)— a regiões no interior do país, excluindo do regime as propriedad­es nas cidades portuguesa­s mais valorizada­s: Lisboa e Porto.

O sistema tem sido acusado de ser pouco transparen­te e de possibilit­ar esquemas internacio­nais de lavagem de dinheiro. Em Portugal, tem sido apontado como um dos responsáve­is pela alta generaliza­da dos preços dos imóveis.

Os brasileiro­s são a segunda nacionalid­ade que mais se beneficia desse programa, atrás dos chineses. Em 2019, a fatia asiática encolheu e a dos brasileiro­s aumentou 16,6%, chegando a 210 vistos concedidos.

Os parlamenta­res também aprovaram a cobrança de uma taxa de 10% sobre aposentado­rias e pensões de estrangeir­os que estejam no país por meio do regime de residentes não habituais, o chamado RNH. Cerca de 28 mil pessoas têm esse status atualmente.

Em vigor desde 2009, o RNH oferece vantagens fiscais para profission­ais altamente qualificad­os e pensionist­as estrangeir­os. Por ele, trabalhado­res de áreas de “alto valor acrescenta­do” pagam uma taxa de imposto de renda de 20% (abaixo da média europeia).

Aposentado­s estrangeir­os tinham ainda mais benefícios e, em alguns casos, devido a acordos europeus que previnem a dupla tributação, acabavam sem pagar nenhum tributo sobre os rendimento­s.

Um levantamen­to publicado pelo jornal português Diário de Notícias indica que o número de brasileiro­s que se beneficiam do estatuto de residente não habitual disparou.

Os brasileiro­s passaram de 1.912 beneficiár­ios em setembro de 2018 para 2.898 em março de 2019 —aumento de 52%.

Tanto os vistos gold quanto o estatuto de RNH sempre suscitaram polêmicas dentro e fora de Portugal.

Criado em 2012, quando Portugal vivia uma grave crise econômica, o programa de vistos gold tinha o objetivo de aumentar o investimen­to estrangeir­o de maneira rápida. O programa fora ampliado no governo do socialista António Costa, primeiro-ministro desde novembro de 2015.

O visto garante autorizaçã­o de residência em Portugal (e, consequent­emente, o livre trânsito nos 26 países do espaço Schengen, perímetro sem controle de fronteira) a interessad­os em: compra de imóveis, transferên­cia de ao menos 1 milhão de euros (R$ 4,7 milhões) para o país ou a criação de um negócio com dez ou mais postos de trabalho.

A aquisição de imóveis de alto padrão é responsáve­l, segundo dados do Serviço de Estrangeir­os e Fronteiras, por cerca de 90% dos vistos gold.

A medida aprovada agora pelos deputados —na votação do Orçamento de 2020— limita a localizaçã­o dos imóveis a municípios do interior ou das regiões autônomas dos Açores e da Madeira.

Segundo o Executivo, autor da proposta, o objetivo é fomentar o desenvolvi­mento do interior e aliviar a pressão sobre o mercado imobiliári­o de Lisboa e do Porto, que acumulam sucessivas altas.

Entidades do setor imobiliári­o e da construção civil se manifestar­am unanimemen­te de forma contrária ao projeto.

Para a advogada Patrícia Viana, a mudança legislativ­a, na prática, acabará com o visto gold para investimen­to em imóveis. “Pelo que vemos dos nossos clientes, há dois perfis para quem procura visto gold: quem quer viver ou passar longos períodos em Portugal ou investidor­es que buscam rentabiliz­ar o imóvel. Para os dois casos, o interior não é atrativo”, afirma.

“Quem quer passar longos períodos em Portugal escolhe Lisboa, Porto ou Algarve, que são lugares com vida, com lojas e serviços”, explica. “E o investidor compra para depois alugar o imóvel para turistas ou portuguese­s. Para ter esse retorno, só consegue em Lisboa e no Porto. Se comprar no interior, para quem é que ele vai alugar?”

No caso dos estrangeir­os que têm o estatuto de residentes não habituais, a queixa vem sobretudo de países europeus, que veem um êxodo de aposentado­s em busca da redução de impostos.

A Suécia e a Finlândia chegaram a apresentar queixas formais a respeito das práticas portuguesa­s, enquanto a França já manifestou, de maneira não oficial, seu descontent­amento.

A taxação de 10% sobre as aposentado­rias desses estrangeir­os valerá apenas para novos casos. Os atuais beneficiár­ios do RNH podem ter esse estatuto por um prazo máximo de dez anos.

Atualmente, 27.367 estrangeir­os são residentes não habituais, dos quais 9.589 são aposentado­s.

“Há dois perfis para quem procura visto gold: quem quer passar longos períodos em Portugal ou investidor­es. Para os dois casos, o interior não é atrativo Patrícia Viana advogada

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