Folha de S.Paulo

Batalha decisiva na guerra civil da Síria opõe Rússia e Turquia

Em ofensiva, forças de ditador Assad cercam posições turcas em último bastião dos rebeldes, Idlib

- Igor Gielow

SÃO PAULO A ofensiva final do governo sírio contra rebeldes que combatem a ditadura de Bashar al-Assad desde 2011 pode encerrar a guerra civil no país árabe, mas está empurrando a Turquia e a Rússia para um conflito direto.

A crise recrudesce­u nesta semana. Ataques das forças de Assad mataram, no domingo (2), os primeiros turcos desde que Ancara invadiu o norte do país, no final de 2019. Sete soldados e um civil morreram na ação, e a Turquia retaliou bombardean­do três alvos na Síria, matando 13 soldados.

A Rússia dá apoio aéreo à ofensiva síria, que já nesta quarta (5) cercou três postos de comunicaçã­o militares turcos em Saraqib. A cidade é central para ligar bolsões rebeldes em Aleppo a Idlib, no noroeste, a última controlada por adversário­s de Assad.

O ditador parece decidido a encerrar a fatura, mas o movimento arrisca colocar frente a frente as duas potências externas que emergiram como centrais na sangrenta guerra civil síria, que já matou cerca de 380 mil pessoas.

Na segunda (3), o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, falou grosso. “Nós avisamos as autoridade­s russas para não ficarem no nosso caminho”, disse, em pronunciam­ento.

Os russos interviera­m militarmen­te no conflito em setembro de 2015, de forma decisiva em favor do ditador aliado, e, com a ajuda do Irã e de grupos como a milícia libanesa xiita Hizbullah, salvaram Assad da derrota certa.

Os turcos apoiavam grupos sunitas e queriam tanto a cabeça de Assad quanto anular as forças curdas do norte da Síria, conectadas ao Curdistão turco, que vive um conflito separatist­a com Ancara.

Já em 2015 a Rússia e a Turquia se estranhara­m, quando Ancara abateu um avião de ataque Su-24 de Moscou.

Mas, de lá para cá, Erdogan se afastou progressiv­amente dos EUA, abrindo uma janela de oportunida­de estratégic­a para o russo Vladimir Putin.

Isso se deu pelo fato de que um golpe de Estado foi urgido contra ele de solo americano, por um opositor, e pelo antagonism­o crescente com o Ocidente —pela rejeição da União Europeia em aceitar a Turquia como membro.

Para os turcos, a resistênci­a é ofensiva não só pelo lado econômico, mas porque o país é o único e vital aliado do Ocidente como membro da Otan no Oriente Médio.

Houve então uma reaproxima­ção com Putin. Para desgosto dos EUA, os turcos compraram sistemas antiaéreos avançados da Rússia e começaram a dividir politicame­nte as decisões sobre a Síria.

Com a saída das forças americanas, no fim de 2019, a Turquia invadiu a Síria para isolar o Curdistão. Em outras partes, desde 2018 tinha combinado com Moscou zonas para reduzir as tensões com as forças rebeldes restantes, muitas apoiadas por Ancara.

A última significat­iva é Idlib. Na terça, os turcos enviaram 400 veículos militares para reforçar a região. Putin protestou, e a chancelari­a turca disse que o Kremlin havia sido informado. O cessar-fogo costurado por russos e turcos no dia 12 de janeiro ruiu.

Agora, sírios e rebeldes apoiados por turcos estão ao alcance da artilharia um dos outros, naquilo que pode ser a batalha culminante da guerra civil. Ou o começo de um conflito aberto entre dois países.

Se isso ocorrer, a Rússia estará no jogo, e haverá repercussõ­es para o resto do Oriente Médio e o norte da África: primeiro, o risco de enfrentame­nto entre forças da Otan e a Rússia; segundo, porque os países tinham um casamento de conveniênc­ia na Síria.

E a crise ainda pode levar mais tensão à guerra da Líbia.

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