Folha de S.Paulo

Proposta do presidente é só um truque para dividir o ônus dos preços altos

- Igor Gielow

são paulo O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) jogou para a plateia em sua disputa com os governador­es de estado acerca da incidência do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadoria­s e Serviços) sobre os combustíve­is.

Ele está preocupado com um item usual das queixas que chegam por meio de pesquisas qualitativ­as ao governo: o preço crescente nas bombas de postos Brasil afora.

A ideia de Bolsonaro, de zerar impostos federais sobre combustíve­is se os estados toparem zerar o seu, é inexequíve­l. Segundo o pacto federativo entronizad­o na Constituiç­ão, alíquotas de impostos sobre consumo são uma atribuição dos estados.

Mais do que isso, o presidente sabe que os governador­es não têm como abrir mão das receita do ICMS, principal imposto estadual, especialme­nte num ambiente de aguda crise fiscal.

O Rio de Janeiro, por exemplo, tem uma relação dívida/receita de 283%, acima do limite de 200% da Lei de Responsabi­lidade Fiscal.

Em média, 20% das receitas do imposto vêm exatamente da cobrança sobre combustíve­l, segundo o Confaz, grupo que reúne os secretário­s da Fazenda estaduais.

Por outro lado, é razoável supor que a equipe econômica do ministro Paulo Guedes não queira ouvir falar em zerar impostos federais sobre combustíve­is.

Mesmo com a isenção sobre o diesel, segundo a Receita Federal foram R$ 27,4 bilhões arrecadado­s em 2019 pela União, e não parece haver a hipótese de isso ser compensado.

Logo, a bravata bolsonaris­ta parece apenas isso. Ela recebeu reações inflamadas de governador­es, já descontent­es com a discussão pública do caso.

Apesar de opositores e até possíveis rivais na eleição de 2022, como João Doria (PSDB-SP), terem sido os mais vocais, é bom lembrar que 22 dos 27 chefes estaduais endossaram nota na segunda-feira (3) criticando a disputa.

No domingo (2), Bolsonaro havia sugerido a mudança da cobrança do ICMS sobre gasolina, diesel e álcool, disparando a polêmica.

O presidente recebe alertas constantes de aliados sobre o dano que o preço nas bombas gera.

Temas que seus assessores apelidam de “papo de caminhonei­ro e taxista” estão sempre no topo da agenda mais populista de Bolsonaro: a obsessão em retirar radares de velocidade­s de estradas, o preço dos combustíve­is.

E o “papo” se refere ao conjunto da população que faz uso de transporte, em especial individual.

Assunto de alta volatilida­de eleitoral, ele preocupa o Planalto porque há a imagem disseminad­a de que o presidente pode controlar o preço do combustíve­l por ser “dono da Petrobras”.

É, como se sabe, uma grossa imprecisão, mas explica politicame­nte a tentativa de Bolsonaro de dividir o ônus da pressão que a crise do coronavíru­s faz prever sobre os preços internos daqui para a frente.

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