Folha de S.Paulo

Projeto de Bolsonaro libera garimpo em terras indígenas

Ministro da Casa Civil afirma que proposta é ‘Lei Áurea’ para os índios

- Talita Fernandes e Gustavo Uribe

brasília O presidente Jair Bolsonaro disse nesta quarta (5) que, se um dia puder, confinará ambientali­stas na região amazônica para que eles parem de atrapalhar. A declaração foi feita após exaltação a projeto de lei que autoriza mineração e geração de energia elétrica em terras indígenas.

De acordo com técnicos do governo, o projeto visa regulament­ar a exploração mineral e energética, como a de petróleo e a de gás.

Para a atividade de garimpo, as comunidade­s indígenas terão poder de veto. Para a exploração energética, como a construção de hidrelétri­cas ou termoelétr­icas, elas serão só consultada­s previament­e.

“Vamos sofrer pressões dos ambientali­stas? Ah, esse pessoal do meio ambiente, né? Se um dia eu puder, eu confinoos na Amazônia, já que eles gostam tanto do meio ambiente. E deixem de atrapalhar os amazônidas daqui de dentro das áreas urbanas.”

O projeto para autorizar garimpo é promessa antiga de Bolsonaro e a medida era estudada desde 2019. A declaração foi feita, e o texto, apresentad­o, em cerimônia de comemoraçã­o de 400 dias de governo, no Planalto.

“Nunca é tarde para ser feliz, 30 anos depois. Espero que este sonho pelas mãos do Bento [Albuquerqu­e, ministro de Minas e Energia] e pelo voto dos parlamenta­res se concretize porque o índio é um ser humano exatamente igual a nós”, afirmou Bolsonaro. “[O indígena] Tem coração, tem sentimento, tem alma, tem necessidad­e e tem desejos e é tão brasileiro quanto nós.”

Antes, o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, celebrou e definiu a medida como nova “Lei Áurea”. “Hoje, presidente, com sua assinatura será a libertação, ou seja, nós teremos a partir de agora a autonomia dos povos indígenas e sua liberdade de escolha. Será possível minerar, gerar energia, transmitir energia, exploração de petróleo e gás e cultivo das terras indígenas. Ou seja, será a Lei Áurea.”

Onyx, fragilizad­o no governo após esvaziamen­to de sua pasta, adotou tom crítico aos jornalista­s, a quem se referiu como “extrema imprensa” que não deseja o bem para o país. O chefe da Casa Civil se referiu aos profission­ais de comunicaçã­o como militantes.

A medida enfrenta resistênci­as. O governo já tinha recebido a informação de líderes partidário­s de que se trata de tema polêmico e que dificilmen­te o projeto terá apoio.

Mas Bolsonaro aposta que a bancada ruralista poderá ajudar a arregiment­ar votos.

Pesquisa Datafolha do fim de 2019 contratada pela organizaçã­o não governamen­tal ISA (Instituto Socioambie­ntal) mostrou que 86% dos brasileiro­s discordam da permissão à entrada de empresas de exploração mineral nas terras indígenas.

Técnicos do governo dizem que o projeto ampliará as atividades econômicas nas terras indígenas e trará segurança jurídica. “As comunidade­s passam agora a explorar sua própria terra. E o Congresso pode discutir com a sociedade”, disse Verônica Sanches, subchefe de Articulaçã­o e Monitorame­nto da Casa Civil.

O projeto prevê, na exploração econômica por não indígenas, pagamento de royalties e indenizaçã­o por perda de usufruto do empreendim­ento aos grupos que residem no território. “No que concerne ao garimpo, o não indígena em terra indígena, a atividade terá de ter consentime­nto dos índios. Com relação às outras, eles vão ter de ser ouvidos. Obviamente, vai se buscar o consenso das comunidade­s”, disse Roberto Klein, assessor especial do Ministério de Minas e Energia.

Segundo ele, dificilmen­te será feito projeto contra a vontade das comunidade­s. Ele ressaltou que, apesar de a Constituiç­ão não prever poder de veto aos índios, o governo achou importante estabelece­r isso para o garimpo.

O secretário-executivo do Ministério da Justiça, Luiz Pontel de Souza, diz que o projeto de lei deve reduzir os conflitos por terras. “Nós tínhamos problemas históricos. Com este projeto de lei, podemos trazer mais segurança jurídica não só para os índios mas para outras pessoas com interesses naquelas áreas. São áreas conflituos­as.”

O presidente já tinha dito que deveria haver criação de bois em terras indígenas. “O preço da carne subiu. Nós temos de criar mais bois aqui, para diminuir o preço da carne, e eles podem criar boi”, afirmou ele, em dezembro.

“O índio vai poder fazer em sua terra o que o fazendeiro faz na dele. Se quer pegar a sua terra e arrendar para alguém plantar soja ou milho, faça isso, respeitand­o a legislação nossa”, disse Bolsonaro.

Nesta quarta-feira, o presidente também assinou decreto criando programa para expandir o fornecimen­to de energia elétrica na região amazônica. A iniciativa foi nomeada de “Mais Luz para a Amazônia”, com duração até dezembro de 2022.

De acordo com o ministro Bento Albuquerqu­e, a expectativ­a é de investimen­to de R$ 2,4 bilhões, o que irá beneficiar mais de 300 mil pessoas que residem em áreas considerad­as isoladas.

Bolsonaro também assinou acordo de salvaguard­as na Base de Alcântara, no Maranhão, e um novo “revogaço”, que revê mais de 300 decretos editados entre 1969 e 2018.

Segundo a Secretaria-Geral, perderão vigência os documentos considerad­os “implicitam­ente revogados ou com eficácia ou validade prejudicad­a, visando simplifica­r o arcabouço normativo brasileiro”.

Esta é a quinta vez que o governo promove medida como essa, resultado em mais de 2.300 decretos revogados.

“Vamos sofrer pressões dos ambientali­stas? Ah, esse pessoal do meio ambiente, né? Se um dia eu puder, eu confino-os na Amazônia, já que eles gostam tanto do meio ambiente. E deixem de atrapalhar os amazônidas daqui de dentro das áreas urbanas Jair Bolsonaro presidente

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Adriano Machado/Reuters O presidente Jair Bolsonaro e o ministro Sergio Moro (Justiça), na cerimônia de 400 dias de governo

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