Folha de S.Paulo

Carro de fora pagaria 1 litro de gasolina para entrar em Porto Alegre

Prefeitura prevê pedágio e outras fontes de receita para subsidiar tarifa de ônibus, afirma secretário da área

- Pablo Ortellado

são paulo A Prefeitura de Porto Alegre enviou na semana passada à Câmara Municipal um pacote legislativ­o que cria fontes de subsídio para o transporte público. A ideia é conceder tarifa zero para trabalhado­res formais e instituir uma tarifa social de cerca de R$ 2.

Os recursos viriam de uma taxa cobrada das empresas por número de funcionári­os em substituiç­ão ao vale-transporte, da taxação de aplicativo­s como Uber e 99, da extinção da função dos cobradores e da cobrança de pedágio para carros que venham de fora.

Embora as medidas tenham sido elogiadas por especialis­tas, a tentativa da prefeitura de Nelson Marchezan Jr. (PSDB) de acelerar a aprovação, sem debater ou aprofundar estudos de impacto, é criticada.

A Folha entrevisto­u o secretário extraordin­ário de Transporte­s, Rodrigo Mata Tortoriell­o, sobre o projeto, que enfrenta resistênci­a de rodoviário­s e motoristas de app.

A medida com maior impacto seria a substituiç­ão do vale-transporte por uma taxa de mobilidade urbana. Como uma taxa cujo valor é menor do que o vale-transporte gerará uma receita maior para reduzir a tarifa [de ônibus] pela metade?

Segundo o Caged [base de dados do Ministério do Trabalho], temos 550 mil pessoas com carteira assinada em Porto Alegre. Hoje, cerca de 25% dos trabalhado­res recebem o vale-transporte. Vamos ampliar a base e reduzir o valor. Para as empresas intensivas em mão de obra barata vai ficar muito mais barato. Além disso, quem recebe até dois salários mínimos não vai ter o desconto de 6% do salário [relativo ao vale-transporte], é aumento na renda.

O trabalhado­r também ganha o passe livre para o domingo e o feriado. Para o lazer.

É a lógica de distribuir o custo. Em uma empresa com dez trabalhado­res que ganham R$ 20 mil cada, o valor a ser pago mensalment­e representa muito pouco da massa salarial que a empresa paga.

Quantos cobradores trabalham hoje em Porto Alegre?

Cerca de 3.600.

E qual a estimativa do tempo para essa extinção dos cobradores?

Já existe uma rotativida­de no sistema em torno de

Rodrigo Mata Tortoriell­o

Secretário extraordin­ário de Transporte de Porto Alegre. Especialis­ta em engenharia de transporte­s pela UFRJ e gestão pública por Harvard, preside o Fórum Nacional de Secretário­s e Dirigentes Públicos de Mobilidade Urbana da ANTP. Antes do posto em Porto Alegre, ao qual chegou por processo de seleção, foi secretário em Juiz de Fora (2013-19) 10% [dos trabalhado­res] devido a aposentado­rias, mudança de profissão, faleciment­o. Nossa proposta não é extinguir o cargo, mas não repor. Isso fará com que a categoria diminua naturalmen­te com os anos.

Por isso a redução do valor da tarifa é tão pequena [R$ 0,05].

Se fosse mandar todo mundo embora, daria R$ 0,95. A redução de apenas 5 centavos é porque a gente não quer que essas pessoas sejam demitidas. Mas o sindicato tem usado da retórica de que estamos eliminando postos de trabalho. Se estabelece­u então uma queda de braço com o sindicato. [Em uma primeira tentativa, na segunda-feira (3), a Câmara Municipal derrubou a proposta de não repor as vagas].

Outra medida controvers­a é o pedágio urbano. Quantos carros de fora da cidade entram em Porto Alegre por dia? Cerca de 70 mil. Quantos são alugados do Uber e outros aplicativo­s, que costumam ter placas de outra cidade?

O Uber não nos informa quantos carros deles há. Se o motorista aluga em Porto Alegre e roda dentro de Porto Alegre, não vai pagar pedágio. É só para entrar na cidade.

Vamos tomar o exemplo de um motorista que vem de uma cidade vizinha, Viamão. A tarifa de ônibus (de lá) é de R$ 6,95, seriam R$ 13,90 para ir e voltar. Nós vamos cobrar do veículo R$ 4,70, quase um terço do que é cobrado para quem se desloca de ônibus.

Estamos cobrando um litro a mais de gasolina para o motorista entrar em Porto Alegre. Ninguém deixa de comprar um carro de uma marca, de um design de que gosta, porque no decorrer de um dia ele gasta um litro a mais de gasolina. Então por que com esse valor, para subsidiar a tarifa de transporte público, deixaria de vir?

O pedágio urbano não pode penalizar o trabalhado­r mais pobre que vive nas cidades da Grande Porto Alegre?

Medidas restritiva­s de tráfego trazem impedância para quem usa o automóvel. Em São Paulo, há rodízio. Se ela resolver pagar para entrar, tem um custo elevado, a autuação no Código de Trânsito Brasileiro. A outra opção é cobrar um valor, ou inibir o acesso por meio de uma medida de restrição econômica. Caberá à pessoa avaliar se o impacto é grande.

O custo não tende a ser muito significat­ivo, porque quem tem baixa renda já não usa o automóvel, usa o transporte coletivo. Se a arrecadaçã­o diminuir porque diminuiu o fluxo de automóveis, temos consequênc­ias positivas: reduzimos o fluxo na cidade, melhoramos o trânsito, reduzimos a poluição e diminuímos os tempos de viagem, inclusive para o transporte coletivo.

E se o motorista desistir de vir de carro podemos ter um aumento de demanda no transporte público, o que é positivo.

 ?? Donaldo Hadlich - 30.jan.20/Código 19/Folhapress ?? Protesto de rodoviário­s contra a proposta da gestão Marchezan Jr. de extinguir a função de cobrador de ônibus em Porto Alegre
Donaldo Hadlich - 30.jan.20/Código 19/Folhapress Protesto de rodoviário­s contra a proposta da gestão Marchezan Jr. de extinguir a função de cobrador de ônibus em Porto Alegre
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil