Carro de fora pagaria 1 litro de gasolina para entrar em Porto Alegre
Prefeitura prevê pedágio e outras fontes de receita para subsidiar tarifa de ônibus, afirma secretário da área
são paulo A Prefeitura de Porto Alegre enviou na semana passada à Câmara Municipal um pacote legislativo que cria fontes de subsídio para o transporte público. A ideia é conceder tarifa zero para trabalhadores formais e instituir uma tarifa social de cerca de R$ 2.
Os recursos viriam de uma taxa cobrada das empresas por número de funcionários em substituição ao vale-transporte, da taxação de aplicativos como Uber e 99, da extinção da função dos cobradores e da cobrança de pedágio para carros que venham de fora.
Embora as medidas tenham sido elogiadas por especialistas, a tentativa da prefeitura de Nelson Marchezan Jr. (PSDB) de acelerar a aprovação, sem debater ou aprofundar estudos de impacto, é criticada.
A Folha entrevistou o secretário extraordinário de Transportes, Rodrigo Mata Tortoriello, sobre o projeto, que enfrenta resistência de rodoviários e motoristas de app.
A medida com maior impacto seria a substituição do vale-transporte por uma taxa de mobilidade urbana. Como uma taxa cujo valor é menor do que o vale-transporte gerará uma receita maior para reduzir a tarifa [de ônibus] pela metade?
Segundo o Caged [base de dados do Ministério do Trabalho], temos 550 mil pessoas com carteira assinada em Porto Alegre. Hoje, cerca de 25% dos trabalhadores recebem o vale-transporte. Vamos ampliar a base e reduzir o valor. Para as empresas intensivas em mão de obra barata vai ficar muito mais barato. Além disso, quem recebe até dois salários mínimos não vai ter o desconto de 6% do salário [relativo ao vale-transporte], é aumento na renda.
O trabalhador também ganha o passe livre para o domingo e o feriado. Para o lazer.
É a lógica de distribuir o custo. Em uma empresa com dez trabalhadores que ganham R$ 20 mil cada, o valor a ser pago mensalmente representa muito pouco da massa salarial que a empresa paga.
Quantos cobradores trabalham hoje em Porto Alegre?
Cerca de 3.600.
E qual a estimativa do tempo para essa extinção dos cobradores?
Já existe uma rotatividade no sistema em torno de
Rodrigo Mata Tortoriello
Secretário extraordinário de Transporte de Porto Alegre. Especialista em engenharia de transportes pela UFRJ e gestão pública por Harvard, preside o Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes Públicos de Mobilidade Urbana da ANTP. Antes do posto em Porto Alegre, ao qual chegou por processo de seleção, foi secretário em Juiz de Fora (2013-19) 10% [dos trabalhadores] devido a aposentadorias, mudança de profissão, falecimento. Nossa proposta não é extinguir o cargo, mas não repor. Isso fará com que a categoria diminua naturalmente com os anos.
Por isso a redução do valor da tarifa é tão pequena [R$ 0,05].
Se fosse mandar todo mundo embora, daria R$ 0,95. A redução de apenas 5 centavos é porque a gente não quer que essas pessoas sejam demitidas. Mas o sindicato tem usado da retórica de que estamos eliminando postos de trabalho. Se estabeleceu então uma queda de braço com o sindicato. [Em uma primeira tentativa, na segunda-feira (3), a Câmara Municipal derrubou a proposta de não repor as vagas].
Outra medida controversa é o pedágio urbano. Quantos carros de fora da cidade entram em Porto Alegre por dia? Cerca de 70 mil. Quantos são alugados do Uber e outros aplicativos, que costumam ter placas de outra cidade?
O Uber não nos informa quantos carros deles há. Se o motorista aluga em Porto Alegre e roda dentro de Porto Alegre, não vai pagar pedágio. É só para entrar na cidade.
Vamos tomar o exemplo de um motorista que vem de uma cidade vizinha, Viamão. A tarifa de ônibus (de lá) é de R$ 6,95, seriam R$ 13,90 para ir e voltar. Nós vamos cobrar do veículo R$ 4,70, quase um terço do que é cobrado para quem se desloca de ônibus.
Estamos cobrando um litro a mais de gasolina para o motorista entrar em Porto Alegre. Ninguém deixa de comprar um carro de uma marca, de um design de que gosta, porque no decorrer de um dia ele gasta um litro a mais de gasolina. Então por que com esse valor, para subsidiar a tarifa de transporte público, deixaria de vir?
O pedágio urbano não pode penalizar o trabalhador mais pobre que vive nas cidades da Grande Porto Alegre?
Medidas restritivas de tráfego trazem impedância para quem usa o automóvel. Em São Paulo, há rodízio. Se ela resolver pagar para entrar, tem um custo elevado, a autuação no Código de Trânsito Brasileiro. A outra opção é cobrar um valor, ou inibir o acesso por meio de uma medida de restrição econômica. Caberá à pessoa avaliar se o impacto é grande.
O custo não tende a ser muito significativo, porque quem tem baixa renda já não usa o automóvel, usa o transporte coletivo. Se a arrecadação diminuir porque diminuiu o fluxo de automóveis, temos consequências positivas: reduzimos o fluxo na cidade, melhoramos o trânsito, reduzimos a poluição e diminuímos os tempos de viagem, inclusive para o transporte coletivo.
E se o motorista desistir de vir de carro podemos ter um aumento de demanda no transporte público, o que é positivo.