Folha de S.Paulo

Ex-Maksoud, chef agora vende comida em feira em São Paulo

Léo Filho, 61, já viajou o mundo e serviu de Frank Sinatra a Mick Jagger e Pelé

- Ricardo Kotscho

são paulo Sim, é ele mesmo. Tem gente que duvida, mas aquele senhor negro, de impecável dólmã branco, que atende a freguesia numa barraca da feira da praça Benedito Calixto, em Pinheiros (zona oeste), é o consagrado chef Léo Filho, grife da alta gastronomi­a brasileira, que por duas décadas comandou os restaurant­es do Maksoud Plaza Hotel.

Leobino José de Souza Filho, 61, baiano de Amargosa, que aprendeu a cozinhar aos 12 anos com a avó Corinta (nome da barraca na feira), já rodou o mundo para estudar e trabalhar nos mais finos hotéis e restaurant­es.

Nas voltas que a vida dá, de volta à Bahia, foi comandar o restaurant­e de um condomínio de milionário­s em Trancoso, o Terra à Vista, onde trabalhava das 9 da manhã à meia-noite e, às vezes, era acordado de madrugada para recebera carga de lagostas de um barco de pescadores.

“Ganhava um dinheiro que jamais imaginei, mas até o paraíso tem uma hora que enjoa”, começa a contar, ao explicar porque tomou a decisão de trabalhar na feira, longe da rotina massacrant­e das cozinhas de hotéis de muitas estrelas.

Há quatro anos, quando perdeu sua mãe, Luiza, que vendia acarajé na mesma praça de alimentaçã­o da tradiciona­l feira de artesanato e antiguidad­es, volto upara São Paulo e resolveu tirar um período sabático.

“Vim para cobrir férias de outra pessoa na barraca, gostei, e fui ficando. A cozinha é uma paixão, mas exige muita dedicação. A gente perde um amigo aqui, leva um susto ali e eu descobri que precisava viver um pouco”.

Com os cinco filhos criados, dois deles vivendo no exterior, Léo mudou radicalmen­te sua rotina. Agora caminha por uma hora todas as manhãs, no parque Ibirapuera, e faz jantares só para os amigos no seu amplo apartament­o na esquina da avenida Brigadeiro Luís Antônio com a av. Paulista. Uma vez por semana, essa confraria se reúne em algum restaurant­e do centro velho de São Paulo.

De vez em quando, algum cliente abonado dos velhos tempos do Maksoud manda um avião ou helicópter­o buscá-lo em São Paulo para preparar jantares privados. Agora, ele não viaja mais para atender a convites de festivais gastronômi­cos no exterior.

“Você não tem vergonha de trabalhar aqui?”, já lhe perguntara­m antigos colegas de ofício, mas ele não se acanha.

“Lembro a eles que quando a Bastilha caiu em Paris os grandes cozinheiro­s da monarquia foram trabalhar na rua porque não tinha restaurant­es naquela época.”

Adaptado à nova realidade da sua vida e do país, o renomado chef, que prefere ser chamado de cozinheiro, montou um cardápio de apenas cinco lanches com preços populares que variam entre R$ 15 e R$ 25.

“Eu que compro a matériapri­ma e na minha cozinha ninguém põe a mão. Uma boa comida depende 98% dos produtos usados, 1% de técnica e 1% de talento”, ensina.

Alguns clientes estrangeir­os estranham encontrar numa barraca de feira aquela figura elegante, que fala francês fluentemen­te e já serviu de Frank Sinatra a Mick Jagger e Pelé. Ao provar seus pratos ficam felizes com a descoberta e acabam voltando.

No modesto cardápio, que conta um pouco da sua história e lista todos os ingredient­es de cada prato, os que têm mais saída são o sanduíche de costela bovina com aligout de queijo canastra e a polenta cremosa com ragu, uma receita italiana preparada com várias carnes. Tem também coxinha de jaca e burritos de carne e salmão. Para beber, só água, refrigeran­te e cerveja.

Para quem foi aprendiz do célebre chef francês Roger Verger no La Cuisine du Soleil, o carro-chefe dos restaurant­es do Maksoud Plaza, que comandava 130 cozinheiro­s, a grande chance da vida dele surgiu durante uma semana gastronômi­ca promovida por Roberto Maksoud, o filho do dono do hotel.

Um dos chefs estrangeir­os convidados encantou-se com o trabalho perfeccion­ista de Léo na preparação dos pratos e disse a Maksoud: “Esse negão é bom. Manda ele pra mim”.

O jovem baiano foi parar num restaurant­e na fronteira da França com a Suíça, onde passou cinco meses.

“Fui na fonte aprender a fazer a melhor cozinha francesa. Descobri o mundo e isso mudou a minha vida”.

A partir daí, o chef entrou no circuito internacio­nal dos grandes festivais gastronômi­cos. Passou a viajar de primeira classe, com todas as mordomias incluídas no pacote, e passava longas temporadas longe de casa.

As recordaçõe­s europeias de Léo contrastam com o som nordestino que vem do grupo Choro da Benedito, com sanfona e zabumba. Ao meio-dia de sábado, a praça da alimentaçã­o vira uma festa, com gente dançando e comendo, bebendo e cantando, como se estivesse numa feira do sertão.

A nova vida sossegada de Léo só foi quebrada no ano passado quando ele caiu na bobagem de participar do reality show Mestre do Sabor, na Globo. Foi eliminado na primeira prova, mas não se arrepende, porque o movimento na sua barraca aumentou com a aparição na TV.

“Preparei um belo surubim com banha de renda da barriga do porco, mas acho que o pessoal não entendeu a proposta. Minha mulher até falou que eu não sei ser simples... Depois veio muita gente aqui para saber o que aconteceu e experiment­ar minha comida”.

Talvez tivesse sido melhor ele preparar o primeiro prato que aprendeu a fazer com a avó Corinta, uma carne moqueada (tipo carne de panela), com hortelã grossa e outros temperos do quintal da casa onde foi morar em Salvador, ainda recém-nascido. Seria mais fácil de entender.

Com 14 anos, matriculou-se no Senac, “uma grande escola”, onde fez vários cursos até completar a idade para poder trabalhar. Em São Paulo, foi trabalhar como ajudante de cozinha no Hilton Hotel, com o chef Armim Jung, de onde saiu em 1979 para fazer carreira no Maksoud.

Aos 20 anos, já era segundo cozinheiro. No dia da inauguraçã­o do hotel, conheceu sua mulher, Maria José, com quem está casado há 40 anos.

Criado pela avó, ele agora se dedica a buscar os netos na escola e preparar as comidas que eles pedem. Nenhum filho seguiu sua carreira.

Sim, é ele mesmo, o Léo Filho do Maksoud, podem acreditar.

“Ganhava um dinheiro que jamais imaginei, mas até o paraíso tem uma hora que enjoa Léo Filho cozinheiro

 ?? Jardiel Carvalho/Folhapress ?? O cozinheiro Léo Filho, em sua barraca Corinta, na praça Benedito Calixto, em Pinheiros
Jardiel Carvalho/Folhapress O cozinheiro Léo Filho, em sua barraca Corinta, na praça Benedito Calixto, em Pinheiros

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil