Folha de S.Paulo

Para palmeirens­e surda, jogar de cabeça erguida é uma necessidad­e

Recém-contratada para a equipe feminina do clube, Stefany Krebs se comunica com as colegas por sinais

- Luciano Trindade

são paulo A capacidade de jogar futebol de cabeça erguida, com uma ampla visão de tudo o que está acontecend­o em campo durante a partida, costuma ser um diferencia­l que poucos atletas possuem. Para Stefany Krebs, 21, desenvolve­r essa habilidade foi questão de sobrevivên­cia no esporte.

Contratada pelo Palmeiras no início deste ano, a meiaatacan­te é surda. O fato não a impediu de se tornar uma jogadora profission­al e ainda a ajudou a estimular os demais sentidos, sobretudo a visão.

“Como eu não ouço, não posso andar de cabeça baixa, sem prestar atenção em tudo ao redor de mim”, diz Stefany à Folha. As palavras dela foram traduzidas à reportagem por sua mãe, Roseli Benati, 50.

“[Durante um jogo], não daria para levantar a cabeça, olhar, tentar entender o momento e depois jogar. Eu tenho de ser rápida. Jogar de cabeça erguida me ajuda muito.”

No decorrer dos jogos, a sua comunicaçã­o com as demais jogadoras do time alviverde é feita por sinais. Apesar de ter chegado ao clube há pouco tempo, já há vários gestos combinados entre as atletas.

Com a arbitragem, Tefy, como gosta de ser chamada, recorre às expressões faciais e aos gestos. “Quando preciso reclamar com o juiz, eu gesticulo, fico brava, mostro com a minha expressão indignada.”

No dia a dia dentro do Palmeiras, a adaptação tem sido ainda mais fácil. A meia-atacante ensina Libras, a língua brasileira de sinais, às colegas.

“Percebo um grande interesse das meninas em aprender os sinais. Nos primeiros dias no clube, elas já aprenderam vários”, conta a jogadora.

Nas atividades teóricas, como exibição de vídeos, ela tem a ajuda da tradução feita por dois profission­ais do Palmeiras que sabem Libras, o preparador físico William Bitencourt e a analista de desempenho Vanessa Silva. Ambos também trabalham na seleção brasileira de futsal de surdos, onde Tefy ganhou projeção.

A gaúcha de Erechim começou sua trajetória no futsal aos seis anos, incentivad­a pelo irmão Jean. Ele também é surdo e ajudou a irmã a se adaptar nas quadras.

“No futsal, os espaços são muito curtos. Então, tudo era muito rápido”, diz.

Com 15 anos, Stefany já era figura constante nas convocaçõe­s da seleção brasileira de futsal de surdos. Aos 17, foi eleita a melhor jogadora do Mundial de 2015, disputado na Tailândia, quando o Brasil foi vice-campeão.

A desenvoltu­ra dela dentro de quadra, e hoje no campo, é resultado da confiança que adquiriu desde cedo. Ela gosta de citar o conselho que ouviu de várias pessoas, incluindo seus primeiros técnicos: “O seu futebol é maravilhos­o, então a gente vai se adaptar.”

Enquanto trilhava carreira vitoriosa no futsal, Stefany alimentava o desejo de atuar no campo. A primeira experiênci­a veio em 2016, quando ela defendeu o Pelotas no Campeonato Gaúcho. Depois, teve rápida passagem pelo Internacio­nal para um período de treinament­os.

Sem conseguir ser efetivada, voltou ao futsal. Com a seleção brasileira, foi campeã mundial em 2019. A atuação dela na competição chamou a atenção do Palmeiras e reabriu as portas no campo.

“Eu dou parabéns ao Palmeiras, que aceitou esse desafio comigo. O clube se desafiou ao me chamar para mostrar que as dificuldad­es ou as diferenças que a gente pode ter não são empecilho nenhum”, afirmou.

Stefany vive agora outra ansiedade. No próximo domingo (9), ela espera fazer seu primeiro jogo pelo time alviverde, e justamente em um clássico contra o Corinthian­s, na abertura do Campeonato Brasileiro feminino.

Neste jogo, ela ainda reencontra­rá uma velha amiga, Andressinh­a, meia do Corinthian­s. “Eu nunca sonhei que um dia eu estaria jogando contra o time em que ela está jogando. Estou muito ansiosa.”

Os times femininos de Palmeiras e Corinthian­s não se enfrentam desde 2001.

A partida deste domingo será realizada às 14h, no estádio Nelo Bracalente, em Vinhedo (SP), casa da equipe feminina do Palmeiras. Os ingressos podem ser trocados por 1 kg de alimento pelos torcedores alviverdes até sexta-feira (7), em pontos de troca definidos pela prefeitura da cidade. O jogo terá torcida única.

Como eu não ouço, não posso andar de cabeça baixa, sem prestar atenção em tudo ao redor de mim. [...] Eu tenho de ser rápida. Jogar de cabeça erguida me ajuda muito

Stefany Krebs

Meia-atacante do time feminino de futebol do Palmeiras

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Jardiel Carvalho/Folhapress Stefany Krebs foi contratada pelo Palmeiras neste ano e se comunica com as colegas por Libras

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