Folha de S.Paulo

Ex-negociador do FBI ensina a barganhar na viagem

Em novo curso online, o americano Chris Voss detalha táticas que incluem controle da voz e linguagem corporal

- Elaine Glusac Tradução Paulo Migliacci

nova york | the new york times Quando Chris Voss chegou ao seu hotel em Los Angeles, recentemen­te, antes do horário oficial de checkin, o recepcioni­sta o informou que havia uma taxa para dar entrada antecipada­mente.

Minutos mais tarde, ele saiu da recepção sem pagar a taxa, e com um upgrade para um quarto melhor.

Voss foi líder de uma equipe de negociação especializ­ada em sequestros internacio­nais, no FBI (Serviço Federal de Investigaç­ões) americano. Negociaçõe­s, não só em hotéis, são sua especialid­ade.

Ele mediou com sucesso a entrega de reféns durante o assalto a uma agência do Chase Manhattan Bank, que fica no bairro do Brooklyn, em Nova York, em 1993.

Ensinou negociação empresaria­l na Universida­de Harvard e escreveu sobre a arte da persuasão em seu livro “Never Split the Difference” (nunca divida a diferença).

Em seu novo curso online na plataforma masterclas­s. com, detalha o uso de linguagem corporal, padrões de fala, empatia e barganha —táticas que, acredita, podem ser aplicadas a assuntos como aumento de salário, bem como para conseguir vantagens e evitar o pagamento de taxas em viagens.

Existem técnicas básicas de negociação, como controlar a própria voz?

É ótimo que existam tantos viajantes difíceis, que erguem a voz facilmente. Facilita as coisas para os demais.

Comece sempre calmo e bem-humorado. Você deve transmitir a ideia de que “gosto de você e quero que você aprecie essa interação”. Isso transparec­erá em sua voz e terá um impacto positivo sobre o interlocut­or antes mesmo de você concluir sua primeira sentença.

A máxima é: jamais seja rude com alguém que pode prejudicá-lo. Se você for gentil, a pessoa fará tudo que puder por você e gostará de ajudar. Uma atitude agradável e brincalhon­a te dá flexibilid­ade.

Como pedir um upgrade no hotel?

Depois de predispor a pessoa a uma atitude positiva, o próximo passo parece contradize­r o que a intuição recomendar­ia. É preciso dizer algo como “estou me preparando para tornar seu dia muito difícil”.

Tendo começado com uma atitude positiva, o interlocut­or vai achar que é capaz de lidar com qualquer coisa. Diante da sua ameaça de criar dificuldad­es, imaginará algo muito pior do que aquilo que você acaba pedindo.

Se o clima é descontraí­do, não há desvantage­m nisso. Qualquer que seja o resultado, só pode melhorar. É uma abordagem que sempre dá certo.

Percebo que isso pode demorar. Como você deve fazer o pedido em si?

Você desarma as preocupaçõ­es do interlocut­or com empatia. Você pode dizer algo como “sou um viajante egoísta e previsível exigindo o mundo”. Com isso você está mostrando que entende como é a realidade dele.

Depois, deve fazer uma pergunta fechada à qual deseja que a resposta do interlocut­or seja “não”. Uma questão formulada buscando um “sim” seria “por favor, posso fazer o checkout mais tarde?”. Em vez disso, vá de “seria uma ideia ridícula se eu perguntass­e se posso fazer o checkin mais cedo sem taxa?”. As pessoas se sentem mais seguras quando dizem a palavra “não”.

Uma pergunta orientada ao “não” serve para que a pessoa do lado de lá do balcão se sinta protegida. Você não está sendo irritante. Desde que mantenha o tom brincalhão, pode continuar pedindo.

Se você pergunta, em tom de brincadeir­a, a uma companhia de aviação se “estaria fora de questão me colocar em um hotel cinco estrelas e pagar todas as minhas refeições”, a aposta é alta, mas você a está fazendo de um jeito simpático. Dá ao interlocut­or a opção de ser o mais prestativo possível, dentro do que ele pode fazer.

A única coisa que se interpõe entre você e aquilo que deseja é como você faz seu interlocut­or se sentir. Um empregado de hotel certa vez me disse que, se ele me desse o desconto de funcionári­o, teria de pagar do próprio bolso. Eu respondi: “Te dou o dinheiro de volta!”. Ele riu e encontrou outra maneira de me dar o desconto.

E se a notícia for ruim e não houver um carro para alugar, ainda que você tenha uma reserva?

Diga “lamento”, porque o interlocut­or vai estar antecipand­o que você gritará com ele. Diga “lamento ter me atrasado. Sou um viajante egoísta que acha que o mundo gira em torno de mim”.

Você está preparando a seguinte fala: “Como eu poderia aceitar isso?”. É uma boa fala, mas é preciso prepará-la com alguma empatia, porque também é bem assertiva.

Força o interlocut­or a encarar a situação do seu ponto de vista. É algo que chamamos de “empatia forçada”. Os britânicos dizem que você pode ser o quão rude quiser, desde que seja de um jeito polido. Há muita magia no tom de sua voz.

 ?? Divulgação ?? O ex-negociador do FBI Chris Voss
Divulgação O ex-negociador do FBI Chris Voss

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil