Folha de S.Paulo

Bolsonaro nomeia almirante e mina ala ideológica

Na SAE, Flávio Rocha vai assessorar o presidente em assuntos internacio­nais

- Talita Fernandes e Gustavo Uribe

Segundo aliados, reequilíbr­io de forças no governo é decorrente da série de erros da ala apoiada por Olavo de Carvalho. Para reforçar o time militar, Jair Bolsonaro escalou o almirante Flávio Rocha para chefiar a Secretaria de Assuntos Estratégic­os (SAE).

brasília O reequilíbr­io de forças feito pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em sua equipe nesta semana é decorrente da série de erros da ala apoiada por Olavo de Carvalho no primeiro ano de governo, segundo aliados.

Na troca de cadeiras, Bolsonaro ficou cercado de militares, que hoje comandam os quatro ministério­s localizado­s no Palácio do Planalto.

Na Casa Civil, no lugar de Onyx Lorenzoni, entrará o general Walter Souza Braga Netto, que se soma aos generais Luiz Eduardo Ramos, na Secretaria de Governo, e Augusto Heleno, no Gabinete de Segurança Institucio­nal.

Também militar, o policial militar reformado Jorge Oliveira segue na chefia da Secretaria-Geral da Presidênci­a.

Embora tenha trajetória política tradiciona­l no DEM, Onyx vinha se aproximand­o dos olavistas e do discurso ideológico. Ele chegou a visitar o escritor nos EUA, para onde viajou em janeiro, nas férias.

Para reforçar o time militar, Bolsonaro escalou ainda o almirante Flávio Augusto Viana Rocha para a chefia da Secretaria de Assuntos Estratégic­os (SAE). O órgão foi transferid­o, nesta sexta-feira (14), da Secretaria-Geral para a Presidênci­a da República.

As mudanças coincidem com a retomada de força da ala militar como influência sobre Bolsonaro. Esse movimento se deveu, em parte, à chegada de Ramos ao Planalto.

Amigo pessoal do presidente, o ministro foi ampliando aos poucos sua influência sobre o chefe do Executivo e, ao lado de Augusto Heleno, ajudou a construir a narrativa de que os ministério­s comandados por militares têm apresentad­o mais resultado do que a ala ideológica.

O caso mais citado é o do ministro Tarcísio de Freitas, da Infraestru­tura, que se tornou um dos queridinho­s de Bolsonaro. Com frequência o trabalho da pasta em obras e privatizaç­ões pelo país é apontado como exemplo de boas ações feitas na atual gestão.

Tarcísio é capitão do Exército e formado pelo IME (Instituto Militar de Engenharia). Ele, porém, deixou a carreira militar após ser aprovado em concurso federal.

Em contraposi­ção, os militares apontam que os ministros que insistiria­m em discursos mais ideológico­s têm demorado a entregar resultado ou mesmo provocado erros.

Entre eles, Abraham Weintraub, titular da Educação, cuja permanênci­a no governo ainda é incerta. O principal ponto crítico da gestão do MEC atualmente está ligado aos erros do Enem, tema caro ao bolsonaris­mo.

Na avaliação de assessores presidenci­ais, por enquanto Weintraub permanece, mas a situação pode mudar a depender das críticas públicas e da cúpula do Congresso.

Por mais de uma vez, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), já deixou clara a sua insatisfaç­ão com o ministro da Educação.

Na política exterior, Bolsonaro também fez um gesto em direção aos militares. Rocha, o novo chefe da SAE, vai acumular entre suas funções a assessoria especial para temas internacio­nais.

Com o gesto, o presidente pretende corrigir a rota da política externa, que até então estava nas mãos do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e do assessor especial para assuntos internacio­nais, Filipe Martins, que passará a responder à SAE.

Com isso, o trabalho de Martins, também discípulo de Olavo, terá de passar pelo crivo de um militar antes de ser levado ao presidente.

Assessores palacianos avaliam no redesenho do assessoram­ento para temas internacio­nais uma tentativa de Bolsonaro de neutraliza­r o tom da política externa, já que o olavismo defende um posicionam­ento mais radical e mais distante do tradiciona­l “soft power” adotado pelo Brasil.

Além disso, é uma demonstraç­ão de que os conselhos de Ramos e Heleno ganharam força na balança de tomada de decisões do presidente.

Desde o período de montagem de governo, a ala militar resistia à escolha de Martins para a função de elaboração de pareceres e dados para temas internacio­nais, mas Bolsonaro decidiu manter o nome do olavista que tem o apoio de seus filhos, em especial do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).

A ala olavista, também chamada de ideológica, teve influência reduzida após o Fórum Econômico Mundial, realizado em Davos no fim de janeiro.

A equipe brasileira que participou do encontro, que reúne anualmente a elite econômica mundial na famosa estância de inverno na Suíça, recebeu o recado de que a política ambiental que o Brasil tem vendido lá fora vai atrapalhar a atração de investimen­to estrangeir­o em solo nacional.

Desde então, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, passou a adotar um discurso mais moderado nas redes sociais e em eventos públicos para evitar represália­s de Bolsonaro e de Guedes.

O redesenho na equipe mostra uma recomposiç­ão de forças no governo após uma série de reviravolt­as ao longo do primeiro ano de gestão, em que aliados antes considerad­os de primeira ordem passaram por de fritura pública. Praticamen­te todos os nomes fortes de Bolsonaro na campanha hoje estão fora do governo ou distantes do Planalto.

A volta do núcleo militar ao centro do poder pode ser lida ainda como uma neutraliza­ção da influência dos filhos do presidente em seu governo.

Os primeiros demitidos foram escanteado­s após forte campanha de oposição do vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro (PSC) —casos dos ex-ministros Gustavo Bebianno (Secretaria-Geral) e Carlos Alberto dos Santos Cruz (Secretaria de Governo).

O vereador, um dos filhos mais próximos do presidente, também fez uma série de críticas ao vice-presidente, o general Hamilton Mourão (PRTB).

Desde a demissão de Santos Cruz, em meados de 2019, o núcleo militar soube submergir e se reorganiza­r para voltar ao centro de força do governo Bolsonaro. Mourão e Heleno passaram a evitar dar declaraçõe­s frequentes à imprensa e, quando questionad­os sobre temas considerad­os polêmicos, evitam responder ou encerram o assunto.

Já Ramos chegou ao Palácio do Planalto tentando passar a postura de fiel ao presidente —inclusive endossando críticas feitas por ele a jornalista­s nas redes sociais.

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Antonio Cruz/Agência Brasil O presidente Jair Bolsonaro acena para apoiadores na porta do Palácio da Alvorada nesta sexta (14)
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Divulgação TCE-MG Flávio Rocha, que assumirá a Secretaria de Assuntos Estratégic­os

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