Repórteres da Veja são detidos pela polícia da Bahia
Após divulgação de fotos, secretaria nega que ex-PM ligado a Flávio Bolsonaro tenha sido alvejado a curta distância
rio de janeiro A suspeita de que Adriano da Nóbrega, exPM ligado ao senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ), tenha sido morto com tiros disparados a curta distância foi classificada como “infundada” pela Secretaria da Segurança da Bahia. Já a defesa do miliciano avalia ter sido reforçada a tese de “queima de arquivo”.
A revista Veja obteve fotos feitas após a autópsia no corpo do ex-capitão, morto em Esplanada (BA) no domingo (9) em operação policial. Dois especialistas ouvidos pela reportagem analisaram as imagens e consideraram haver indícios de que Adriano tenha sido atingido a curta distância.
Em nota, a Secretaria da Segurança da Bahia, ligada ao governo Rui Costa (PT), qualificou as informações de “infundadas” e afirmou que as fotografias apresentadas pela revista não são oficiais.
“Os peritos não podem afirmar se foram de alguma forma manipuladas ou não e, portanto, não podem se manifestar sobre as mesmas.” Além disso, afirma a nota, “é impossível afirmar distância dos disparos, sem a reprodução destes, promovida com a mesma arma e munição similar, contra um anteparo”.
Segundo a secretaria, Adriano foi morto após reagir a ação policial, baleado com dois tiros. As perfurações causaram lesões no tórax, no pescoço e na clavícula, além de quebrar sete costelas.
O órgão diz que as lesões “não foram feitas com proximidade” e que a distância dos disparos foi de pelo menos um metro, embora ainda não seja possível fixá-la com exatidão.
O advogado Paulo Emílio
Catta Preta, defensor de Adriano, avaliou que as fotografias do corpo do ex-PM reforçam a suspeita de “queima de arquivo”, embora ele ressalve não ter tido acesso aos laudos.
Depois da morte de Adriano, Catta Preta contou que dias antes tinha sido procurado pelo cliente. Por telefone, Adriano disse ter certeza de que de seria morto.
A companheira de Adriano pediu na Justiça que o corpo do ex-PM fosse levado para o IML (Instituto Médico Legal) do Rio de Janeiro para ser preservado e submetido a uma perícia particular, contratada pela família.
O juiz Gustavo Schilling, responsável pela ação penal contra Adriano, autorizou o envio do corpo para o IML para preservar o corpo, mas não se manifestou sobre a perícia particular por não fazer parte do objeto do processo. A defesa também tenta viabilizar judicialmente a análise de seus técnicos.
A família já havia tentado cremar o corpo. Mas a Justiça impediu, pelas circunstâncias violentas da morte. Ele permanecia até a tarde desta sexta (14) em uma funerária na Baixada Fluminense
As fotos acessadas pela Veja também mostram que Adriano tinha um ferimento na cabeça e uma queimadura no lado esquerdo do peito.
Malthus Galvão, médico legista da Universidade de Brasília, afirmou que marcas vermelhas próximas da região do peito indicam um disparo a uma distância de no máximo 40 centímetros, considerando um revólver ou uma pistola.
Uma outra marca de tiro na região do pescoço, afirmou Galvão, pode ser decorrência de um disparo feito após a vítima ter caído no chão. Uma hipótese mencionada pela reportagem sobre a queimadura é que tenha sido provocada pela boca de uma arma de cano longo após um tiro.
A Secretaria da Segurança afirmou que a lesão na face de Adriano não é uma equimose, mas uma queimadura. O corte na cabeça, diz, pode ter sido provocado por uma queda.
O governo não falou sobre a análise dos peritos sobre a marca de tiro no pescoço.
Apontado como chefe de milícia e homenageado duas vezes na Assembleia Legislativa do Rio pelo hoje senador Flávio Bolsonaro, Adriano é citado na investigação que apura a prática de “rachadinha” (esquema de devolução de salários) no gabinete do filho do presidente Jair Bolsonaro.
Repórteres da Veja que apuravam morte são detidos pela PM
Os jornalistas Hugo Marques e Cristiano Mariz, da revista Veja, foram detidos e conduzidos a uma delegacia pela Polícia Militar da Bahia na manhã desta sexta (14).
Os repórteres estavam na cidade de Pojuca (a 90 km de Salvador), onde investigavam as circunstâncias da morte do miliciano Adriano da Nóbrega. Eles contaram que estavam a caminho de uma das fazendas do pecuarista Leandro Guimarães quando foram cercados por duas viaturas da polícia.
A intenção dos jornalistas era tentar entrevistar Leandro, fazendeiro que hospedou Adriano por cerca de uma semana antes de ele seguir para o sítio do vereador Gilsinho de Dedé (PSL), onde acabou morto em operação policial.
Mesmo após se identificarem como repórteres, os dois foram revistados pelos policiais com armas em punho. Um soldado teria indagado por várias vezes: “Como é que vocês descobriram esse endereço?”
Em seguida, um policial apreendeu o gravador de um dos repórteres que continha diversas entrevistas da apuração sobre o caso.
Os policiais ordenaram que os jornalistas os seguissem para uma delegacia no município vizinho de Pojuca. Lá, ficaram cerca de 20 minutos na delegacia e liberados. O gravador foi devolvido.
O episódio ocorreu um dia após a revista revelar imagens do corpo do ex-capitão da PM do Rio de Janeiro, indicando que ele teria sido morto com tiros disparados a curta distância. Essa versão é negada pela Secretaria de Segurança Pública da Bahia.
Em nota, a Veja disse lamentar a “postura autoritária” da Polícia Militar da Bahia e afirmou que a direção da Editora Abril “estuda as medidas cabíveis contra essa atitude de tentar constranger e limitar o trabalho da livre imprensa”.
A nota diz também: “A direção da Redação de Veja [...] não vai se intimidar com ameaças e medidas arbitrárias —e seguirá firme no seu compromisso de busca da verdade, doa a quem doer”.
Em nota conjunta, a ANJ (Associação Nacional de Jornais) e a ANER (Associação Nacional de Editores de Revistas) repudiaram a ação.
“A abordagem inicial aos dois jornalistas, quando duas viaturas da PM cercaram Marques e Mariz, a detenção dos profissionais por cerca de 20 minutos e, ainda, a apreensão temporária de um gravador com várias entrevistas são atitudes injustificáveis. Os fatos são ainda mais alarmantes porque ocorreram após os repórteres terem se identificado e mostrado suas credenciais de imprensa.”
A Secretaria da Segurança Pública afirmou que moradores de uma localidade em Pojuca ligaram para a polícia informando que homens rondavam a região.
“A Polícia Militar foi acionada, abordou o grupo e fez a condução até a Delegacia Territorial. Após se identificarem como jornalistas, foram liberados. Nenhum equipamento foi danificado, alterado ou ficou apreendido”, disse, em nota, a secretaria.