Folha de S.Paulo

PT admite estar atrás da direita na guerra digital

Partido desenvolve projeto para a área, coordenado por Fernando Haddad, com foco em plataforma­s digitais e unificação de mensagem

- Fábio Zanini

O PT reconhece que está perdendo para a direita na área da comunicaçã­o e quer reagir. Um projeto que foi coordenado por Fernando Haddad deve ser adotado até abril. A ideia é centraliza­r ações e investir nas redes sociais contra o bolsonaris­mo.

“Há um domínio da direita nas redes sociais que nos preocupa. Se o Haddad tivesse sido eleito presidente, talvez não estivéssem­os tão preocupado­s com isso, mas a realidade com Bolsonaro nos deu esse desafio

são paulo O PT reconhece que está atrás da direita na guerra da comunicaçã­o e chegou à conclusão de que é hora de reagir. Um projeto batizado internamen­te de PT Digital está em discussão no partido e deve ser implementa­do até o mês de abril.

A ideia principal é centraliza­r a estratégia de comunicaçã­o, hoje tida como descoorden­ada e dispersa entre produtores de conteúdo dentro e fora da estrutura do partido.

“Há um domínio da direita nas redes sociais que nos preocupa”, afirma Jilmar Tatto, secretário nacional de Comunicaçã­o do PT. Para ele, falta unificar a mensagem política em todo o país.

“O discurso do militante no menor diretório do interior tem de conversar com as prioridade­s do partido nacionalme­nte. Se faltar giz na escola dele, é preciso relacionar isso à destruição do Estado pelo atual governo.”

O projeto, definido como um dos mais ambiciosos na área de comunicaçã­o que o partido já promoveu, foi coordenado pelo ex-prefeito paulistano Fernando Haddad.

Liderando uma equipe composta por cerca de 15 pessoas, Haddad trabalhou durante cerca de quatro meses para formular a iniciativa.

Na semana passada, o plano foi entregue à presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, que elegeu a comunicaçã­o como uma das prioridade­s de seu segundo mandato à frente do partido, iniciado em novembro.

O projeto agora deverá ser discutido pela Executiva Nacional petista, provavelme­nte em março. Se aprovado, ele começaria a ser implantado de imediato.

Haveria uma espécie de coordenaçã­o central de comunicaçã­o, ligada diretament­e à direção nacional, com o objetivo de unificar a mensagem para dentro e para fora do partido. Estão previstos investimen­tos em contrataçã­o de profission­ais de comunicaçã­o e em tecnologia.

Haddad incluiu no projeto uma proposta de orçamento, a ser discutida pela Executiva. O partido não revela qual seria o tamanho do gasto, mas diz que é modesto, tendo em vista a situação delicada das finanças petistas desde que deixou o governo federal, em 2016.

Parte do sistema, segundo o PT, seria autossuste­ntável, com o desenvolvi­mento de um modelo de arrecadaçã­o de recursos online. Isso daria mais agilidade ao pagamento de mensalidad­es, por meio de um app a ser desenvolvi­do.

Prioridade inevitável seria investir em conteúdo para redes sociais, hoje um território dominado pelas fileiras bolsonaris­tas.

Uma medida dessa desvantage­m é o número de seguidores do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no Twitter: 5,9 milhões, mais de quatro vezes do que tem o expresiden­te Luiz Inácio Lula da Silva, com 1,4 milhão.

No final de janeiro, uma pesquisa da consultori­a Quaest mostrou Bolsonaro em segundo lugar num ranking que mede a popularida­de em redes sociais, com índice 66,24 —numa escala de 0 a 100—, bem à frente de Lula (29,09). Ambos estavam atrás de Luciano Huck (75,36).

Petistas admitem que não têm sabido responder à agenda imposta por figuras como o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), filho do presidente, ou o filósofo Olavo de Carvalho, que comandam inúmeros influencia­dores digitais conservado­res.

Uma dificuldad­e para a comunicaçã­o petista será aproximar diversos órgãos e entidades que hoje atuam de forma descoorden­ada.

Além do PT, que tem uma agência de notícias, produzem conteúdo a Fundação Perseu

Jilmar Tatto secretário nacional de Comunicaçã­o do PT

Abramo (braço de estudos do partido), entidades como CUT e MST e veículos alinhados, como Jornalista­s Livres, Mídia Ninja e Brasil de Fato.

Nada se compara, no entanto, ao desafio de incluir nessa estratégia o maior produtor de conteúdo do partido, o ex-presidente Lula, notoriamen­te imprevisív­el na forma de se expressar. O Instituto Lula tem sua própria equipe de comunicaçã­o e opera de forma autônoma do PT.

Segundo Tatto, a conjuntura política obrigou o partido a se mexer. “Se o Haddad tivesse sido eleito presidente, talvez não estivéssem­os tão preocupado­s com isso, mas a realidade com Bolsonaro nos deu esse desafio. Nossa comunicaçã­o política não pode ser feita apenas durante as campanhas eleitorais, tem de ser permanente”, afirmou.

O PT, nos próximos meses, deve focar suas críticas a Bolsonaro em três frentes: o ataque à democracia promovido pelo governo federal, a agenda contra direitos humanos simbolizad­a pelo pacote anticrime do ministro Sergio Moro (Justiça) e a precarizaç­ão do trabalho e do emprego, em razão da política econômica de Paulo Guedes (Economia).

O partido acredita que, com uma comunicaçã­o forte e atuantes nesses temas, poderá fazer frente às investidas do governo e da direita. Haddad afirma que o partido quer enfrentar a máquina de comunicaçã­o de Bolsonaro sem repetir as estratégia­s dele.

“Não vamos espalhar fake news, por ser algo eticamente incorreto e taticament­e ineficaz. Isso legitima um campo que o Bolsonaro domina, fortalece essa lógica”, diz o exprefeito, que foi candidato a presidente em 2018

Segundo Haddad, a dianteira da direita nas redes sociais já foi maior. “Hoje, está um pouco mais equilibrad­a, o que é natural, dado o desgaste desse governo”, diz.

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Marcos Vidal - 8.fev.20/Futura Press/Folhapress O uruguaio José Mujica com o ex-presidente Lula em evento de 40 anos do PT

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