Folha de S.Paulo

Negócios à parte

EUA demonstram mais uma vez que alinhament­o de Bolsonaro não garantirá vantagens para o Brasil

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Acerca de relações comerciais entre Brasil e EUA.

A esta altura o governo brasileiro já deveria ter entendido o básico das relações internacio­nais —que países tem interesses, não amigos. Isso se faz ainda mais evidente no caso dos Estados Unidos sob a liderança de Donald Trump, eleito com o bordão “América primeiro”.

À luz do unilateral­ismo professado explicitam­ente por Trump, as juras de alinhament­o incondicio­nal do presidente Jair Bolsonaro vão ficando cada vez mais caricatas e descambam para a submissão.

Nem mesmo as hostes mais ingênuas do governismo podem duvidar do óbvio —o Brasil não terá tratamento especial, ainda menos quando o tema for econômico.

A mais recente mostra da inutilidad­e do posicionam­ento brasileiro se deu nesta semana, com a decisão dos EUA de rever a lista de países em desenvolvi­mento elegíveis para tratamento diferencia­do sob as regras da Organizaçã­o Mundial do Comércio (OMC). Saíram da relação 25 países, entre eles Brasil, China, Coreia do Sul e Índia.

A mudança, na prática, facilita que Washington investigue e retalie países que subsidiam suas exportaçõe­s a ponto de, na visão da Casa Branca, prejudicar a industria norte-americana.

No critério geral da OMC, os governos devem descontinu­ar investigaç­ões para a imposição de restrições comerciais se os subsídios detectados forem inferiores a 1% das compras. Quando o caso envolve nações considerad­as em desenvolvi­mento, o limite sobe para 2%.

Segundo o argumento dos EUA, o critério anterior estava obsoleto. Foram desconside­rados, por exemplo, países membros do G20, da OCDE, da União Europeia ou que já são classifica­dos como de alta renda pelo Banco Mundial. Alguns deles, de fato, já se transforma­ram em competidor­es comerciais ferozes, como a China.

Não se trata, portanto, de uma medida direcionad­a a um país em particular. Mesmo assim, é mais um lembrete de que as apregoadas afinidades entre Trump e Bolsonaro não proporcion­arão vantagens especiais para o Brasil. Nossas vendas em setores como o siderúrgic­o, já sujeitas a cotas e altas tarifas, ficam mais ameaçadas.

A mudança unilateral americana não tem execução automática, uma vez que os excluídos podem continuar a pleitear a classifica­ção “em desenvolvi­mento” na OMC.

Evidencia-se, assim, a imprudênci­a da diplomacia brasileira, que prometeu abrir mão do tratamento favorecido nas futuras negociaçõe­s comerciais em troca do apoio americano à entrada na OCDE.

Demonstra-se que a falta de competitiv­idade nacional não será amenizada por facilidade­s nas negociaçõe­s. Cabe ao país trabalhar para remover suas amarras e não contar com amigos imaginário­s. são paulo

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