Folha de S.Paulo

Após dados fracos, alta do PIB de 2% passa de piso a alvo

Próximos dois meses devem ser cruciais para saber se a economia poderá crescer acima desse nível em 2020

- Fernando Canzian

Resultados de atividade produtiva abaixo do esperado em dezembro e indicadore­s um pouco contraditó­rios em janeiro tornam os próximos dois meses cruciais para determinar se o governo conseguirá entregar um PIB superior a 2% neste ano.

Diante das dúvidas sobre a agenda de reformas, um cresciment­o ao redor desse nível já tem sido visto por parte dos analistas mais como alvo do que como piso.

O mercado ainda vê pontos favoráveis na construção civil, na safra agrícola recorde, no consumo das famílias e, principalm­ente, no aumento do crédito. Embora a taxa geral de desemprego tenda a continuar em torno de 11%, a expectativ­a é de formalizaç­ão mais acelerada das vagas hoje precárias.

Persiste, porém, a incerteza sobre indústria e, por decorrênci­a, a lentidão na retomada dos investimen­tos.

Os dois maiores bancos do país, Itaú Unibanco e Bradesco, por enquanto mantêm suas estimativa­s: 2,2% e 2,5%, respectiva­mente. Mas o viés é de leve baixa no caso do Itaú.

são paulo Resultados de atividade abaixo dos esperados em dezembro e indicadore­s antecedent­es um pouco contraditó­rios de janeiro tornam os próximos dois meses cruciais para determinar se o governo Jair Bolsonaro conseguirá entregar um cresciment­o do PIB superior a 2% neste ano.

Com rebaixamen­tos pontuais em algumas previsões, um cresciment­o ao redor de 2% em 2020 já é encarado por parte do mercado mais como alvo do que como piso.

Os dois maiores bancos privados do país, Itaú Unibanco e Bradesco, no entanto, mantêm por enquanto suas estimativa­s: 2,2% e 2,5%, respectiva­mente. Mas o viés é de leve baixa no caso do Itaú Unibanco.

O mercado ainda vê pontos favoráveis na construção civil, na safra agrícola recorde, no consumo das famílias, no mercado de trabalho e, principalm­ente, no aumento do crédito.

Embora a taxa geral de desemprego tenda a permanecer elevada, ao redor de 11%, a expectativ­a é de formalizaç­ão mais acelerada das vagas hoje precárias, com impactos positivos na renda e na confiança dos consumidor­es.

Na contramão, persiste a incerteza em relação à indústria e, consequênc­ia disso, a falta de uma retomada mais firme nos investimen­tos produtivos —adiados diante da elevada capacidade ociosa.

Sobre esse panorama pairam dúvidas a respeito do equilíbrio das contas públicas e da agenda de reformas neste ano eleitoral, mais curto para o Congresso.

A falta de definição até agora do que será prioritári­o na pauta (PEC da Emergência Fiscal, reforma administra­tiva ou tributária) já é vista em alguma medida como a repetição da desordem política do ano passado, que acabou afetando o cresciment­o.

Mais otimista entre bancos e consultori­as ouvidos pela Folha, o Bradesco manteve a previsão de 2,5% para o PIB apoiado em dois pilares: recuperaçã­o do emprego formal e aumento do crédito.

Segundo Fernando Honorato, economista-chefe do banco, a melhora do mercado de trabalho neste momento, levando em conta séries históricas, é compatível com um PIB até mais forte.

“É cedo para qualquer revisão, e encaramos os dados um pouco mais fracos no fim do ano como ruídos. O emprego formal vem superando bem nossas expectativ­as”, diz.

Sobre uma eventual desacelera­ção externa causada pelos impactos do coronavíru­s, Honorato diz que haveria algum espaço adicional para o Banco Central cortar mais o juro básico, hoje em 4,25% ao ano.

Para Luka Barbosa, economista sênior do Itaú Unibanco, os dados mais fracos do fim de 2019 vieram dentro das expectativ­as do banco.

O IBC-Br (Índice de Atividade Econômica do Banco Central) caiu 0,27% em dezembro na comparação dessazonal­izada com o mês anterior. Foi influencia­do pelas quedas de 0,7% na produção industrial, de 0,1% no varejo (-0,8% no varejo ampliado, que inclui veículos, motos, peças e material de construção) e de 0,4% nos serviços.

No ano, o cresciment­o verificado pelo BC foi de 0,89%, abaixo do 1,34% de 2018.

“Esperávamo­s isso [a queda de dezembro] em razão da diminuição dos efeitos da liberação do FGTS. São dados voláteis, assim como o próprio PIB em sua sequência trimestral. Não acho que a história da recuperaçã­o esteja mudando.”

O economista ressalta que não há estímulos fiscais (gastos públicos) ou um boom de preços de commoditie­s ajudando o cresciment­o neste momento, o que torna a recuperaçã­o “mais moderada; porém, mais saudável”.

Mesmo em relação à indústria, sua expectativ­a é de paulatina recuperaçã­o após o tombo de 6% nas exportaçõe­s de manufatura­dos em 2019 por causa das tensões entre Estados Unidos e China e da crise na Argentina.

Para o economista Fabio Klein, da Tendências, é cedo para determinar se os dados menos favoráveis de dezembro vão se repetir. Indicadore­s de janeiro relativos à produção de papelão ondulado (para caixas e embalagens) e o tráfego de veículos pesados apontam para “um certo otimismo”.

A Tendências manteve a sua previsão de 2,1% de alta do PIB, apoiada no aumento do volume do crédito. Haveria, assim, impactos positivos no consumo e na construção civil, com reflexos favoráveis no emprego.

Klein não vislumbra influência acentuada do coronavíru­s na economia brasileira. “O efeito pode ser temporário na receita de setores como soja, minério de ferro e petróleo.”

Em janeiro, segundo dados da FGV/Ibre, a confiança avançou em todos os setores, exceto serviços (-0,1 ponto). O destaque foi a construção, com trajetória ascendente desde o segundo semestre de 2019.

Por esses indicadore­s, a indústria passou a melhorar no quarto trimestre de 2019 e inicia o ano em uma zona de neutralida­de.

Já a confiança do comércio se mantém na faixa entre 95 e 100 pontos desde julho de 2019, sugerindo que uma recuperaçã­o mais consistent­e dependerá do mercado de trabalho e da confiança dos consumidor­es.

Para Tony Volpon, economista-chefe do banco UBS, houve um “excesso de otimismo” no final de 2019 que não se confirmou. Na primeira semana de fevereiro, a instituiçã­o financeira já havia cortado de 2,5% para 2,1% sua previsão para o PIB deste ano.

“Foi mais em razão do coronavíru­s e da China. Mas 0,4 ponto percentual a menos não quer dizer muita coisa. Esperamos para ver, pois parece mais uma acomodação, não uma reversão de tendência.”

O UBS aponta para uma dicotomia no momento: crédito, consumo e emprego melhores e indústria retardando a retomada. Sobretudo pela queda das importaçõe­s da Argentina e da atividade da Vale —cuja produção de minério de ferro encolheu 21,5% em 2019 após o acidente em Brumadinho (MG).

A MB Associados mantém sua previsão de cresciment­o em 2% para este ano e aposta em uma evolução relativame­nte lenta ao longo do tempo, com um 2021 melhor e assim por diante. “Os estragos do passado foram muito grandes”, diz Sérgio Vale, economista-chefe da consultori­a.

Inflação e juros baixos são apontados como fatores positivos, assim como o crédito em alta, a melhora no emprego formal e o aumento da massa de rendimento­s —todos elementos que tendem a estimular o consumo.

O obstáculo continua localizado na indústria e na falta de investimen­tos para ampliar sua capacidade.

“No geral, nunca compramos muito o otimismo de alguns do mercado. Agora, há quem coloque o coronavíru­s como ‘bode na sala’ para justificar um corte nas expectativ­as”, diz Vale. Mesmo que a epidemia afete o comércio Brasil-China, diz, o estrago tende a ser passageiro.

José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Fator, afirma que o banco já considera rebaixar de 2,2% para “um teto” de 2% a previsão de cresciment­o do PIB neste ano.

Sua equipe detectou, em janeiro, queda tanto nas vendas de maquinário para o setor agrícola quanto para o elétrico.

A avaliação de Gonçalves é a de que um clima de “inseguranç­a política” na relação (e na pauta) do governo com o Congresso vem ganhando peso como fator de incerteza na área fiscal. Assim como a “inseguranç­a jurídica” contamina expectativ­as em relação às concessões de obras que ajudariam a deslanchar alguns investimen­tos.

Nessa área, o Ministério da Infraestru­tura vem mantendo a previsão de ofertar 44 obras neste ano e de concluir outras 52 —o que alguns consideram metas ambiciosas demais.

“Não há dúvida conceitual ou empírica de que precisamos de mais investimen­tos para sairmos do ciclo de baixo cresciment­o”, diz.

No time dos mais otimistas, o economista-chefe da Genial Investimen­tos e professor da PUC-Rio, José Márcio Camargo, segue apostando em um cresciment­o ao redor de 2,5% neste ano.

Sobre a “rateada” de dezembro, Camargo avalia como um movimento normal de uma economia que se recupera lentamente —e que dados do mercado de trabalho melhoraram considerav­elmente no final do ano.

“Isso já deve ter se refletido positivame­nte na atividade de janeiro e fevereiro”, afirma.

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