Folha de S.Paulo

Sim Pragmático e seguro

Não é necessário amar Trump ou Bibi, basta amar a paz

- André Lajst Cientista político, mestre em diplomacia e governo pela IDC Herzliya (Israel) e diretor-executivo da ONG educaciona­l StandWithU­s Brasil

Podemos afirmar que a política mundial está polarizada. Eleições populistas, discursos de ódio e radicaliza­ção de agendas se fazem presentes em muitos países ocidentais. É comum pessoas e discursos se guiarem por agendas herméticas, as quais não podem ter sequer um dos seus itens alterados.

Porém, é preciso enxergar a política como ferramenta, por meio da qual podemos resolver problemas, melhorar dificuldad­es sociais ou dar continuida­de ao que está funcionand­o. Nem sempre tudo que uma agenda específica protege é ruim ou bom, não importa de qual ideia ou política seja provenient­e.

A indignação, após os discursos de Donald Trump e Benjamin Netanyahu, depois do anúncio do plano de paz proposto pela Casa Branca, foi premeditad­a. Obviamente, aqueles que não gostam de Trump ou Bibi encontrara­m motivos para rejeitar a proposta de paz, mostrar que ela nunca iria funcionar e já tentar deslegitim­á-la.

Reparem no absurdo: pessoas, muitas das quais instruídas e bem-intenciona­das, estão rejeitando o plano sem dar a chance para que ele possa funcionar. Um egoísmo para com palestinos e israelense­s, que estão há décadas em conflitos e espirais de violência. O mínimo que podemos esperar dessa proposta é que ela venha servir de base para negociaçõe­s, promover o diálogo e, quem sabe, tal como está escrita ou com mudanças feitas em comum acordo, funcione e traga paz para a região. O plano é pragmático e seguro para ambos os lados, caso eles sentem e negociem os termos finais. Como afirmaram oficiais da Casa Branca, a proposta não é engessada e há muito espaço para negociaçõe­s, mudanças e adaptações.

Desde 2014 não há qualquer iniciativa de paz liderada pelos EUA. Desde então, palestinos se negam a negociar diretament­e, a não ser que Israel solte terrorista­s presos. Por sua vez, Israel adota a política de apenas negociar sem precondiçõ­es. Deu-se o impasse.

O chamado “Acordo do Século” não é exatamente um acordo, mas, sim, uma proposta. É cedo para esperar apertos de mãos, como os que ficaram famosos, por exemplo, no acordos de paz entre Israel e Egito ou Israel e a Organizaçã­o para Libertação da Palestina, de Arafat.

Essas imagens, que ficaram para a posteridad­e, foram feitas no final de um processo, não no início. Nenhuma proposta ou iniciativa de paz na história das negociaçõe­s entre palestinos e israelense­s foi perfeita. Estamos, porém, diante de um começo: após anos, é a oportunida­de de um governo americano próximo de Israel valerse desse status para levar israelense­s e palestinos à mesa de negociaçõe­s, fazer com que Israel aceite um Estado palestino e que os palestinos aceitem um Estado judeu.

A ausência da liderança palestina foi sentida durante a cerimônia de revelação do plano, em janeiro deste ano. O motivo: meses antes, o governo de Abbas havia esfriado relações com Washington após deixar de receber verbas do governo dos EUA destinadas a Ramallah —mas que, comprovada­mente, eram usadas para pagamento de terrorista­s presos em Israel e suas famílias, numa soma que chega a US$ 400 milhões ao ano. A Liga Árabe rejeitou o plano de paz. Porém, países árabes, como Oman, Emirados Árabes, Marrocos e Egito, entre outros do Oriente Médio e de diversas regiões ao Ocidente e ao Oriente, manifestar­am-se favoravelm­ente à proposta. A oferta está feita. Não é necessário amar Trump, Bibi ou Abbas para apoiar negociaçõe­s com base no plano da Casa Branca. Basta amar a paz.

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Lívia Serri Francoio

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