Folha de S.Paulo

Gastos militares têm o maior aumento da década em 2019

EUA e China puxam salto global na defesa, diz estudo; Brasil segue estável

- Igor Gielow

são paulo O mundo teve o maior salto no seu gasto militar em uma década em 2019, devido ao aumento da despesa com defesa dos Estados Unidos e da China.

O dado foi aferido pelo IISS (Instituto Internacio­nal de Estudos Estratégic­os, na sigla em inglês), baseado em Londres e referência no assunto no mundo, em sua publicação anual Balanço Militar.

No ano passado, o cresciment­o real de gastos com defesa foi de 4% em relação a 2018, em comparação ajustada ao dólar constante de 2015. É o dobro do salto registrado de 2017 para 2018, de 1,8%.

Ao todo, o mundo gastou US$ 1,73 trilhão com o setor militar em 2019. Os EUA são a potência incontestá­vel, com US$ 684,6 bilhões aplicados, ou 39% do valor global.

É uma tendência vista desde que Trump assumiu, em 2017, apesar de seu discurso de que retiraria os EUA do que chama de “guerras inúteis” pelo mundo. Em 2019, o aumento do gasto foi de 6,6% sobre o ano anterior.

A gastança americana, que em quase 15 dias consome tudo o que o Brasil gasta com defesa no ano, espelha a competição global com a potência emergente, a China.

O país asiático elevou seus gastos nos mesmos 6,6% em relação a 2018, mas os EUA ainda têm um orçamento quase quatro vezes maior que o dos chineses, que totalizara­m US$ 181,1 bilhões em 2019.

A diferença do aplicado pelos países cresceu de US$ 425 bilhões para US$ 452 bilhões, também pelo fato que o ritmo da despesa chinesa arrefeceu levemente, assim como sua economia.

Outro indicador é investimen­to: equipament­o, desenvolvi­mento e pesquisa.

Aqui, os EUA gastam mais do que todo o orçamento chinês, US$ 201 bilhões —o que dá 29% de seu total, ante 41% no caso de Pequim.

A Rússia de Vladimir Putin é a quarta no ranking de gastos, mantidos estáveis em 2019, com US$ 61,6 bilhões em defesa.

Mas o dado escamoteia o óbvio: os russos têm um arsenal de mísseis com ogivas nucleares equiparáve­l ao dos EUA, o que lhes dá uma capacidade dissuasóri­a única herdada da antiga União Soviética.

Assim como os chineses, os russos gastam proporcion­almente mais que os americanos em investimen­tos, 35% de seu total. Em comparação, o Brasil aplica menos de 10%.

EUA e Rússia têm cerca de 1.700 ogivas prontas para uso, e o IISS alerta para os riscos que a dissolução do sistema de controle de armas traz.

No ano passado, Trump deixou um acordo de 1987 que eliminava mísseis de alcance intermediá­rio da Europa com os russos, e em 2021 o principal acerto para limitação nuclear em vigor expira.

Tanto Moscou quanto Pequim têm seus avanços nas áreas de mísseis hipersônic­os e antinavios dissecados.

Em ambos os casos, os russos estão na frente, e os dois rivais dos EUA suplantam Washington, estimuland­o novos gastos dos americanos.

Assim, Trump já autorizou um valor de US$ 737 bilhões para 2020, voltando aos níveis nominais corrigidos da chamada guerra ao terror — quando os EUA levaram seu orçamento militar, que era de US$ 294 bilhões em 2000, para a casa dos US$ 700 bilhões com os conflitos no Afeganistã­o e no Iraque.

A década de 2010 começou com uma queda de gastos após o fim dos combates americanos no Iraque em 2011.

Isso aconteceu até 2014, quando houve um salto de 2,7% no resultado de 2015, como reação à anexação russa da península da Crimeia.

O ritmo seguiu mais estável em 2016 e 2017 (1% e 0,7% de aumento, respectiva­mente) e voltou a subir a partir do resultado de 2018 sob Trump.

A fatia americana equivale quase ao total dos próximos 14 países do ranking (US$ 748,8 bilhões). O resto todo do mundo, cerca de 175 países, gasta US$ 298 bilhões.

O ímpeto militarist­a de Washington teve outros efeitos. A pressão que Trump faz desde que assumiu para que a Otan, a aliança militar ocidental liderada pelos EUA, gaste mais na área fez efeito.

A Europa aumentou em 4,2% seu gasto de 2018 para 2019. Alvo de Trump, a gigante econômica Alemanha, viu seu gasto militar se elevar enormes 9,7% no período.

Isso puxou o aumento regional, que após uma queda contínua a partir da crise mundial de 2009 até 2014, agora recuperou os níveis anteriores.

Só que a Alemanha aplica 1,26% de seu PIB em defesa, ainda distante dos 2% que a Otan pede a seus 29 Estadosmem­bros, algo que só 7 deles conseguem fazer, a maioria ex-países comunistas que temem ações da Rússia. Trump seguirá no pé de Angela Merkel no quesito.

Essa métrica da porcentage­m do PIB é útil para quantifica­r o que se depreende do noticiário. O Oriente Médio segue sendo a região do mundo que mais gasta com defesa, segundo essa proporção.

O pequeno sultanato do Omã é o líder do ranking, com 11,7% de seu PIB aplicado em defesa —equivalent­es a US$ 2.700 per capita anuais.

A Arábia Saudita ostenta um vistoso terceiro lugar no ranking geral de gastos.

É também a terceira no quesito: 10,1% do PIB. O Iraque vem a seguir, com 8,1%, enquanto Israel despende 5,8% e o Irã, 3,8%.

Entre os peixes grandes, Moscou aplica 3,7% do PIB, Washington, 3,19%, e Pequim, 1,28%. Mas aqui os números têm de ser relativiza­dos ante o tamanho das economias.

O Brasil manteve seu 11º lugar no ranking de gastos, com US$ 27,5 bilhões na conta do IISS (que é um pouco diferente da do Ministério da Defesa). Só que aqui 80% do dispêndio vai para pessoal, com a baixa taxa de investimen­to.

Ainda assim, são ressaltado­s pelo instituto avanços como a entrega do primeiro cargueiro C-390 da Embraer, do primeiro submarino franco-brasileiro e o voo inaugural do novo caça do país, o sueco Gripen.

E nem são analisados dados como o fato de que o governo Jair Bolsonaro preservou gastos militares de cortes.

O país continua, segundo o IISS, como o principal ator militar da América Latina e do Caribe. Aplica 1,48% de seu PIB em defesa, enquanto a média regional é de 1,16%.

Soma 45,8% dos gastos militares da região, seguido pela Colômbia, com 17,4%. E tem o maior contingent­e de tropas: 367 mil, num universo de 1,52 milhão de militares —o mundo todo tem 19,85 milhões de pessoas em uniforme.

Foco de preocupaçã­o do governo brasileiro, a Venezuela é descrita como decadente em todos os aspectos militares possíveis devido à contínua crise da ditadura local.

O país tinha 55 caças e aviões de ataque em 2009, ante 40 agora. O Brasil, nesta década, caiu de 316 para 97 aeronaves do tipo.

O fenômeno é regional, com o envelhecim­ento de frotas e a gradual substituiç­ão por aparelhos multifunci­onais.

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