Folha de S.Paulo

Vacina mais barata e eficaz contra pneumonia é testada em humanos

- Maria Fernanda Ziegler

são paulo | agência fapesp Uma nova vacina contra pneumonia, mais barata e abrangente que as versões atualmente usadas no Brasil, está sendo testada em humanos. Desenvolvi­da por pesquisado­res do Instituto Butantan e do Boston Children’s Hospital, da Universida­de Harvard (Estados Unidos), a formulação protege o organismo contra todos os sorotipos da bactéria Streptococ­cus pneumoniae.

“Adotamos uma estratégia diferente para ativar a resposta imune. Em vez de usar como alvo os polissacar­ídeos presentes na cápsula bacteriana, como fazem as vacinas hoje disponívei­s, optamos por proteínas comuns a todos os sorotipos do microrgani­smo”, disse Luciana Cezar de Cerqueira Leite, pesquisado­ra do Laboratóri­o Especial de Desenvolvi­mento de Vacinas do Instituto Butantan.

A parte inicial da pesquisa, coordenada por Cerqueira

Leite, foi apoiada pela Fapesp. Os testes clínicos de fase 1 e 2 foram realizados na África sob a coordenaçã­o da equipe de Harvard, com apoio da Fundação Bill & Melinda Gates e do Path (Program for Appropriat­e Technologi­es in Health), organizaçã­o norteameri­cana sem fins lucrativos dedicada a desenvolve­r inovações na saúde.

Estima-se que existam em todo o mundo mais de 90 sorotipos de S. pneumoniae, que, além de pneumonia, causam doenças como meningite, otite e sinusite. Os sorotipos são definidos com base na combinação de polissacar­ídeos presentes na cápsula que recobre o microrgani­smo.

Nas vacinas convencion­ais, essa combinação de moléculas vai determinar o antígeno que, quando introduzid­o no organismo, induza formação de anticorpos. Já o produto desenvolvi­do no Butantanéc­apaz de ativara resposta imune independen­temente do sorotipo bacteriano.

“Produzimos a bactéria sem cápsula em cultura celular e usamos uma técnica especial para matá-la sem que se desintegre. Desse modo, o patógeno inativado pode ser administra­do como vacina. Além disso, identifica­mos proteínas imunogênic­as [que ativam uma resposta imunológic­a] comuns em todos os sorotipos”, disse Cerqueira Leite.

Parte dos estudos feitos no Butantan foi descrita na revista Vaccine. Em artigo mais recente, publicado na revista Expert Review of Vaccines, Cerqueira Leite e colaborado­res ressaltam a importânci­a de se desenvolve­r uma vacina contra pneumonia que seja acessível e funcione para todos os sorotipos de S. pneumoniae.

“No caso específico da pneumonia, insistir na inclusão de novos sorotipos em vacinas conjugadas só aumenta a complexida­de e os custos de produção, fazendo com que vacinas que já são caras tornem-se ainda menos acessíveis a países em desenvolvi­mento, como o Brasil”, disse.

Cerqueira Leite explica que as vacinas pneumocóci­cas conjugadas disponívei­s protegem contra 10 ou 13 sorotipos da bactéria. Uma versão não conjugada abrange 23 sorotipos, mas não é eficaz em crianças e, por isso, tem sido usada principalm­ente em adultos.

“A primeira geração de vacinas conjugadas era eficaz contra os sete sorotipos mais prevalente­s na Europa enos Estados Unidos [7- valente ]. Porém, como aprevalênc­ia varia de uma região para outra, não apresentav­a uma cobertura boa para o Brasil. Abrangia em torno de 60% apenas.”

Com o tempo, a capacidade de conjugar cepas variadas foi aumentando e surgiram as versões 10-valente e 13-valente. “Mas há um problema nessa estratégia. Quando são tiradas de circulação as bactérias de um determinad­o sorotipo, outras cepas [com diferentes sorotipos] vão surgindo naturalmen­te e o imunizante perde eficácia. É acha mada substituiç­ão sorotípica ”, explicou a pesquisado­ra.

Além de mais abrangente, a vacina celular desenvolvi­da no Butantan não sofre o problema de substituiç­ão sorotípica. Outra vantagem, de acordo com Cerqueira Leite, está no preço. “Embora seja difícil definir valores antes que o imunizante seja aprovado e comece a ser produzido, estima-se algo próximo a US$ 2 [R$ 8,7]. Atualmente, a vacina polissacar­ídica [13-valente] custa cerca de US$ 60 [R$ 261] na rede privada e US$ 15 [R$ 65] no Sistema Único de Saúde”, disse.

A redução no preço está atrelada à menor complexida­de do processo produtivo. O novo imunizante pode ser produzido em até dois meses, diz Cerqueira Leite.

Já foram concluídas a primeira (análise de segurança e toxicidade) e a segunda fase (análise de imunogenic­idade) dos ensaios clínicos.“Pre tendemos repetira segunda fase em outro sítio, nos EUA. É nessa etapa que se compara o tipo de resposta imune induzida em populações de diferentes países”, disse.

A terceira fase dos testes clínicos, ainda sem previsão para começar, envolve um número maior de pessoas e testa efetivamen­te a eficácia da vacina por meio da comparação entre uma população imunizada e outra que recebeu apenas placebo.

 ?? Tingshu Wang/Reuters ?? Casal olha para tela de celular dentro de um café em Pequim, na China, nesta sexta (14)
Tingshu Wang/Reuters Casal olha para tela de celular dentro de um café em Pequim, na China, nesta sexta (14)

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil