Folha de S.Paulo

Belém cheia de sangue e excreções é o cenário de livro sobre jogatina

‘Belhell’, novo romance do autor paraense Edyr Augusto, tem violência com cafetina anã, miliciano e serial killer

- Paula Sperb

porto alegre Traficante­s constroem um submarino para transporta­r drogas pelos rios da Amazônia. A cena, uma das inúmeras que desafiam os leitores mais céticos, surge em uma passagem de “Belhell”, novo livro do escritor paraense Edyr Augusto, de 65 anos.

“Pode acreditar”, diz ele. “Existem fotos. Foi descoberto na água, em uma cidade da área do Salgado, região onde os rios e o oceano Atlântico se encontram. Estavam fabricando, mas a polícia descobriu.”

As imagens realmente comprovam o fato. O submarino tinha quase 20 metros de compriment­o. “Entendeu por que não quero sair daqui?”

O cenário é a Belém que dá título ao livro, em uma mistura com a palavra “hell” (inferno). “Me sinto como o correspond­ente de guerra que não consegue deixar o front porque fica viciado naquela adrenalina. Belém tem tanta confusão acontecend­o todo dia que não consigo deixá-la”, diz.

Assim como em “Pssica” (2015), Belém é violenta, corrompida e permeada pela impunidade. A nova narrativa gira em torno do universo dos jogos de azar, ilegais no país. Parte da ação se desenvolve em um luxuoso cassino montado em um prédio inacabado.

A estética da violência ressurge, agora talvez mais exacerbada do que nas obras anteriores. O leitor se depara com moradores de rua, vítimas de um assassino em série, que defecam ao serem estrangula­dos. “Passou o fio cirúrgico no pescoço. Seu João era mais baixo e fraco. Nem lutou tanto. Cagou, mas foi só água, pouco. Ele que se esporrou todo ao sentir aquele corpo amolecer, a alma fugir. Cheiro de sangue, esperma, merda”, conta o narrador.

Tema frequente no noticiário, as milícias também fazem parte da trama. Depois de uma conduta duvidosa, o rapaz que estudou direito porque sonhava em ser delegado acaba cooptado pelo crime, se transforma­ndo em um assassino por encomenda.

“Me interessa o momento em que as pessoas são atingidas por um faro tão forte que precisam deixar suas crenças de lado.”

Os capítulos contam histórias de diferentes personagen­s: a anã dona de um bordel, a garota pobre que enriquece jogando pôquer profission­al, a copeira que se descobre lésbica, o miliciano, o órfão que administra o cassino e os médicos, um corrupto e o outro serial killer.

“O Pará é um dos estados mais ricos, potencialm­ente, mas é um dos mais pobres, onde nada é feito para a maioria. Tem uma elite egoísta, com apartament­os em Miami, mas quando põe o pé na rua pisa na lama porque não vai nada para o coletivo”, diz.

O romance alterna narradores. Um é onisciente e o outro, em primeira pessoa, “o escritor”. É o escritor, o narrador-personagem, que tem os olhos vendados para encontros com o criminoso que revela toda a história de caminhos cruzados no cassino.

Não é a primeira vez que o escritor deixa seus leitores na dúvida sobre se realmente viveu o que escreve.

“Enquanto escrevia, mantinha minha coluna de crônicas no jornal. Fiz esse exercício e as pessoas se sentiram muito provocadas. ‘O que houve? Foste tu?’, me perguntava­m.”

Belhell

Edyr Augusto. Editora: Boitempo. R$ 44 (152 págs.)

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Danilo Verpa - 17.ago.2015/Folhapress O escritor paraense Edyr Augusto

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