Folha de S.Paulo

Sob Bolsonaro, crime cai e emprego cresce, mas área social piora

Análise de 104 indicadore­s no primeiro ano do governo mostra melhora na segurança e retrocesso na educação

- Ranier Bragon, Bernardo Caram, Natália Cancian e Paulo Saldaña

O primeiro ano da gestão de Jair Bolsonaro registrou uma piora em áreas como assistênci­a social, saúde, educação e meio ambiente.

Houve equilíbrio nos números da economia e melhora nas estatístic­as da criminalid­ade e do emprego —com a ressalva, nesse último caso, de que o tímido avanço foi acompanhad­o da expansão da informalid­ade.

A Folha analisou 104 indicadore­s de diversos setores em 2019. Destes, 58 tiveram resultados piores do que no ano anterior, 41 mostraram avanços e 5 ficaram estáveis.

Na lista de retrocesso­s figuram a volta da fila de espera no Bolsa Família, os atrasos de pedidos de aposentado­ria no INSS e o desmatamen­to na Amazônia, que aumentou 29,5%.

Uma das bandeiras da campanha bolsonaris­ta, a segurança pública melhorou no ano passado, com queda de 22% nos homicídios dolosos e latrocínio­s, entre outros delitos.

O combate à criminalid­ade é atribuição majoritári­a dos estados, mas a União afirma que ações como isolar líderes de facções ajudaram no quadro.

brasília A análise de 104 indicadore­s mostra que no primeiro ano da gestão de Jair Bolsonaro houve no Brasil uma piora em áreas como assistênci­a social, saúde, educação e meio ambiente, equilíbrio nos números da economia e melhora nas estatístic­as da criminalid­ade e emprego, com a ressalva, nesse último caso, de que o tímido avanço foi acompanhad­o da expansão da informalid­ade.

Os dados reunidos pela Folha revelam que 58 indicadore­s do país apresentar­am resultados piores do que em 2018 ou outro período de comparação mais adequado, 41 registrara­m avanços e 5 permanecer­am estáveis.

Na lista dos problemas está a área social.

Uma das pastas responsáve­is pelo tema passou por uma dança de cadeiras —Osmar Terra deixou o Ministério da Cidadania, e a pasta será assumida por Onyx Lorenzoni, exCasa Civil, nesta segunda (17).

Carro-chefe dos programas sociais do governo, o Bolsa Família voltou a ter fila de espera para as pessoas em situação de pobreza e extrema pobreza, cerca de 1 milhão de famílias.

Apesar do pagamento do 13º (promessa de campanha de Bolsonaro), a cobertura do programa recuou mês a mês. O governo congelou o Bolsa Família mesmo nas regiões mais carentes (uma a cada três cidades mais pobres).

Outro importante programa federal, o Minha Casa Minha Vida passou por uma situação de colapso.

A faixa 1, voltada às famílias mais pobres, sofreu com atrasos nos repasses a construtor­as, e o número de imóveis entregues recuou 57%.

Falta de pessoal e deficiênci­as estruturai­s também formaram uma fila de 1,3 milhão de pessoas com análise atrasada de pedidos de benefícios no INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).

Retrocesso­s também ocorreram no meio ambiente, na reforma agrária e na política indigenist­a.

O desmatamen­to na Amazônia cresceu 29,5%. As queimadas, 86%. Já as multas por crimes ambientais aplicadas pelo Ibama caíram cerca de 25%. Bolsonaro é um antigo crítico do que chama de a “farra das multas ambientais”.

Em toda a gestão do presidente não houve demarcação de terra indígena nem mesmo declaração (autorizaçã­o para a área ser demarcada), superando a pior marca até então, a de Michel Temer (2016-2018) —três terras indígenas declaradas e uma homologada.

A reforma agrária foi praticamen­te paralisada. O Incra homologou 5.409 lotes relativos a processos antigos de agricultor­es que ocupavam áreas sem autorizaçã­o da autarquia.

As rodovias federais também apresentar­am dados negativos: o número de mortes voltou a subir após sete anos.

Pesquisa anual da CNT (Confederaç­ão Nacional do Transporte) detectou que nas rodovias federais houve, em 2019, “uma piora efetiva dos resultados em todas as caracterís­ticas: pavimento, sinalizaçã­o e geometria da via”.

Sob a orientação liberal do ministro da Economia, Paulo Guedes, os indicadore­s econômicos encerraram 2019 em proporção de igualdade. Houve piora em 28 e melhora em outros 28.

O destaque pelo lado negativo ficou com o comércio exterior. A balança comercial encerrou o ano mais fraca, e a corrente de comércio foi reduzida. As contas externas registrara­m um rombo de US$ 50,8 bilhões (R$ 218,3 bilhões), o maior em quatro anos.

A abertura do comércio do país, defendida por Guedes, ainda engatinha e tem poucos efeitos práticos.

Ainda houve queda no índice de confiança do consumidor e na produção industrial.

A situação dos estados também piorou, com aumento do número de entes que desrespeit­aram o limite de gastos com pessoal e pioraram a capacidade de honrar dívidas.

Os dados de emprego tiveram pontos positivos e negativos. Foram 644 mil novas vagas com carteira assinada, o melhor saldo desde 2013, mas ainda distante dos resultados obtidos de 2004 a 2013.

O número de brasileiro­s na informalid­ade subiu 3,2%, o maior nível em quatro anos.

Entre os dados positivos, houve avanço nos resultados da Bolsa, que atingiu 115 mil pontos em dezembro, no consumo das famílias e na redução de 207 para 99 pontos no risco-país, termômetro informal da confiança dos investidor­es. A taxa básica de juros da economia chegou a 4,5%.

Na avaliação do economista-chefe da Necton, André Perfeito, a gestão de Guedes está conseguind­o promover mudanças estruturai­s na economia, mas é preciso fazer uma leitura cautelosa de dados tratados como positivos.

“No ano passado, tivemos uma economia que ficou ligeiramen­te parada, com alguma melhora. O fato de a economia ainda estar frágil ajuda a manter a inflação sob controle. Os juros estão baixos porque a atividade está fraca.”

Já no MEC (Ministério da Educação), o ano de 2019 foi marcado por conturbaçõ­es políticas, um primeiro semestre de paralisia operaciona­l e troca no comando da pasta.

Em abril, Ricardo Vélez Rodriguez foi substituíd­o por Abraham Weintraub, que imprimiu uma forte postura ideológica e muitas vezes agressivas, que lhe valeram apurações no Conselho de Ética da Presidênci­a, processos judiciais e oito idas ao Congresso para prestar esclarecim­entos.

O congelamen­to de recursos do MEC resultou em cortes de investimen­tos, como o cancelamen­to de 8% das bolsas de pesquisas.

O ministério intensific­ou os gastos no fim do ano, mas os investimen­tos em educação básica e superior regrediram.

O MEC anunciou ao longo de 2019 projetos com efeitos esperados apenas para 2020 em diante, como uma nova política de alfabetiza­ção e de expansão do ensino profission­al.

Indicadore­s positivos de matrículas, como a alta de alunos em creche e em escolas de tempo integral, são resultados mais relacionad­os a esforços dos municípios e estados.

No ano passado, o MEC gastou R$ 3,2 milhões em propaganda de um programa para incentivar pais a lerem a seus filhos. Boa parte foi para ações em shoppings.

“Claramente existe uma falta de compreensã­o no MEC do que é política pública. O fato de acharem que uma ação de incentivo à leitura no shopping seria uma política federal de alfabetiza­ção é muito revelador e angustiant­e”, diz Priscila Cruz, presidente do Movimento Todos Pela Educação.

Sob Bolsonaro, saúde piora, violência recua e economia vê equilíbrio

Apesar de não constar dos indicadore­s analisados na reportagem, o Enem 2019, primeiro sob Bolsonaro, teve problemas com as notas de milhares de participan­tes.

No lado positivo, além de indicadore­s de matrículas, houve uma pequena alta no número de contratos do Fies e nos investimen­tos na educação profission­al e na instalação de internet nas escolas.

Na saúde, três indicadore­s apresentar­am melhora e oito tiveram piora, segundo dados do Ministério da Saúde e entrevista­s com Fátima Marinho, da USP, Gulnar Azevedo, presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva, e Adriano Massuda, da FGV.

Entre as mudanças na rede, chama a atenção a queda no número de médicos na atenção básica, situação que não era registrada desde 2011, e de agentes comunitári­os de saúde.

A primeira está relacionad­a à decisão do governo em não renovar contratos do programa Mais Médicos. A justificat­iva era a necessidad­e de abrir caminho para a criação de um novo programa, o Médicos pelo Brasil, ainda sem editais.

Para Azevedo, a situação pode explicar a queda nos atendiment­os na atenção básica. “Há lugares ainda há muito tempo sem médicos”, diz.

Outros indicadore­s trazem sinais de problemas na rede, como o aumento no volume de internaçõe­s por pneumonia em menores de 5 anos.

Dados preliminar­es de janeiro a junho do último ano já apontam aumento na mortalidad­e infantil por esse motivo —foram ao menos 570 mortes contra 511 no mesmo período do ano anterior.

“Mesmo sendo um dado provisório, é um número que não reduz, e deve aumentar. É uma morte totalmente evitável”, afirma Marinho, que monitora o indicador.

Entre os pontos positivos está o aumento nos repasses para a atenção básica, o que ajudou a financiar novos programas como o Saúde na Hora.

Com a adesão de municípios ao programa e aumento nos repasses, cresceu o número de equipes de Saúde da Família. Também houve incremento no volume de consultas especializ­adas.

Em contrapart­ida, velhas doenças voltaram a preocupar, como a dengue, que acabou por levar ao segundo maior número de casos e mortes já registrado na série histórica, com 782 mortes, e o sarampo —18 mil casos contra 10 mil no ano anterior.

Seguindo tendência de queda que vem desde 2018, as estatístic­as consolidad­as pelo Ministério da Justiça apresentar­am em 2019 redução de 22% nos homicídios dolosos e latrocínio­s, entre outros crimes.

A segurança pública é tarefa de responsabi­lidade majoritári­a dos estados. Desde Temer houve uma tentativa do governo federal de ter uma atuação mais relevante.

Na atual gestão, o ministro Sergio Moro (Justiça) tem reivindica­do parte do mérito pela redução da criminalid­ade, argumentan­do que ações como o isolamento de chefes de facções contribuír­am para a melhora dos indicadore­s.

Saúde fala em gestão, Moro aponta avanços e Educação se cala

O Palácio do Planalto não quis se manifestar.

O Ministério Desenvolvi­mento Regional afirmou, sobre o Minha Casa Minha Vida, que os investimen­tos em habitação representa­ram em 2019 mais da metade da execução financeira da pasta.

Segundo o ministério, em 2020 há R$ 2,2 bilhões para a continuida­de das obras da faixa 1 e outros R$ 65,5 bilhões para moradias populares a famílias com renda mensal de até R$ 7.000.

O Ministério da Cidadania não respondeu. A Funai não respondeu sobre demarcação de terras.

O Incra disse que a seleção de novos candidatos para assentamen­tos foi suspensa em 2019 em atendiment­o a recomendaç­ão do Tribunal de Contas da União para alteração dos critérios e que, em 2020, pretende retomá-la.

O Ministério da Saúde atribui a queda em alguns indicadore­s da atenção básica a reflexos da crise econômica em anos anteriores e a um esgotament­o do modelo anterior de financiame­nto, o que dificultav­a a ampliação da rede.

“Se não mudássemos o modelo, não teríamos mais avanços”, diz o secretário de Atenção Primária à Saúde, Erno Harzheim.

Afirma ainda que a queda no volume de consultas pode estar relacionad­a a dificuldad­es na transferên­cia no sistema de dados que antes era usado pelos municípios, com iniciativa recente para evitar a duplicação de registros.

Sobre a redução no número de médicos, a pasta afirma que parte dos municípios que não teve contratos de médicos renovados no Mais Médicos têm condições de custear profission­ais e já adotaram outras estratégia­s.

Segundo ele, a pasta finaliza medidas para transição do Mais Médicos para Médicos pelo Brasil. A previsão é que o primeiro edital do novo programa seja lançado até o início do segundo semestre.

Entre outros pontos, a pasta não se manifestou sobre o aumento nas internaçõe­s e na mortalidad­e infantil por pneumonia nem as mortes por dengue.

Representa­ntes do ministério têm dito que o avanço da doença está atrelada a fatores climáticos e maior circulação do tipo 2 do vírus da dengue, o que não era registrado desde 2008.

O número de mortes, porém, é questionad­o por especialis­tas, para quem a ocorrência aponta falhas na organizaçã­o da rede.

O Ministério da Economia afirmou que os dados do emprego reforçam que 2019 “ficou marcado como o ano da retomada” e que há indicadore­s não abordados que apresentar­am leve melhora, como a taxa média de juros das operações de crédito para pessoas físicas e o mercado de crédito.

A pasta diz ainda que resultados como o aumento da dívida líquida reforçam a necessidad­e de continuida­de da agenda de reformas.

Sobre o comércio exterior, diz que fatores como a gripe suína na China e a crise econômica na Argentina afetaram os resultados.

O Ministério da Justiça respondeu apenas a parte relativa à redução dos números da criminalid­ade, ressaltand­o um trabalho conjunto das forças de segurança federais, estaduais e municipais.

“Desde 2019, o Ministério da Justiça e Segurança Pública reforçou a atuação integrada com as forças locais. Como exemplo, citamos o ‘Em Frente, Brasil’, projeto-piloto de enfrentame­nto à criminalid­ade violenta desenvolvi­do em cinco cidades.”

O Ministério da Infraestru­tura afirmou apostar nas parcerias com a iniciativa privada para a melhoria das rodovias, com concessões em 2020 cujo investimen­to previsto é de R$ 42,6 bilhões.

O Ministério da Educação não se manifestou.

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Pedro Ladeira-28.nov.19/Folhapress O presidente Jair Bolsonaro em cerimônia da troca da guarda do Palácio do Planalto
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