Folha de S.Paulo

Miliciano era herói quando foi premiado, diz presidente

Morto pela polícia, Adriano da Nóbrega ia à praia e frequentav­a vaquejadas

- João Pedro Pitombo e Italo Nogueira

Jair Bolsonaro afirmou que Adriano Nóbrega era um herói em 2005, quando foi condecorad­o por Flávio. “Não tem nenhuma sentença transitada em julgado condenando o capitão Adriano”, disse. À noite, divulgou nota com críticas ao governador Rui Costa (PT) e à polícia baiana, cogitando que a morte do expolicial teria sido uma execução sumária.

salvador e rio de janeiro Ele não estava exatamente escondido. Nos últimos cinco meses, Adriano da Nóbrega, 43, ex-capitão do Bope do Rio de Janeiro, circulou por festas de vaquejada e praias da Bahia e de Sergipe, mesmo foragido da Justiça. A quem perguntass­e quem ele era, apresentav­a-se: “Capitão Adriano”.

O miliciano ligado ao senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ) foi morto no último domingo (9) em uma operação das polícias do Rio e da Bahia, em Esplanada (170 km de Salvador).

Nos meses anteriores, participou de competiçõe­s de vaquejada em Sergipe e na Bahia, mesmo diante de câmeras e de grandes públicos.

Registros da Associação

Brasileira de Quarto de Milha apontam que, usando seu próprio nome, Adriano disputou provas em 17 de janeiro de 2019, quando ficou em quarto lugar com seu parceiro Leandro Guimarães, o mesmo fazendeiro que lhe daria abrigo em Esplanada.

Menos de duas semanas depois, Adriano se tornou foragido, com a deflagraçã­o de operação do Ministério Público do Rio de Janeiro. Investigaç­ões apontam que Adriano atuava em diferentes atividades ilegais: milícia, jogo do bicho, máquinas caça-níqueis e homicídios profission­ais.

As viagens à Bahia eram feitas de carro. A cada visita, acompanhav­a-o um caminhão com quatro cavalos, cada um valendo R$ 40 mil, que ele mantinha em um haras no Rio de Janeiro. Seu objetivo, segundo o relato de testemunha­s, era montar um novo haras no litoral norte da Bahia.

A polícia investiga se o haras era uma iniciativa pessoal de Adriano, um empreendim­ento de seu grupo criminoso para lavagem de dinheiro ou a formação de uma nova célula miliciana no Nordeste.

O ex-policial foi citado na investigaç­ão do Ministério Público do Rio que apura se houve “rachadinha” no gabinete de Flávio quando ele era deputado estadual. Segundo o MP-RJ, contas de Adriano foram usadas para transferir dinheiro a Fabrício Queiroz, então assessor de Flávio e suspeito de comandar o esquema de devolução de salários.

Queiroz e Adriano trabalhara­m juntos na PM. Foi por meio de Queiroz que a mulher e a mãe de Adriano foram contratado­s como assessores no gabinete de Flávio.

Em 2005, enquanto estava preso preventiva­mente pelo homicídio de um guardador de carros, Adriano foi condecorad­o por Flávio com a mais alta honraria da Assembleia.

Adriano também foi defendido por Jair Bolsonaro, então deputado federal, em discurso na Câmara, em 2005, por ocasião da condenação por homicídio. O ex-capitão seria absolvido depois.

Acossado por mandados de prisão emitidos pela polícia, Adriano fixou-se na Bahia em setembro de 2019.

Seu primeiro destino foi uma casa alugada em um luxuoso condomínio em Costa do Sauípe (75 km da capital baiana). Ali, levou uma vida tranquila: frequentav­a a academia, circulava pelas áreas comuns e ia à praia. Em dezembro, deu uma festa de Réveillon com casa cheia.

Foi também em dezembro que a inteligênc­ia da Polícia Civil do Rio teve convicção de que Adriano estava na Bahia.

Em1º de fevereiro, agentes da inteligênc­ia tiveram o primeiro contato visual com Adriano no condomínio. Acionaram a equipe operaciona­l que estava a cinco minutos dali. Nesse intervalo, a mulher do ex-PM chegou ao local com os filhos.

A polícia ainda não sabe o que fez Adriano identifica­r a iminência de sua prisão. Quando os policiais chegaram à casa, ele já tinha fugido.

O treinament­o que recebeu para situações de risco no Bope foi essencial. Ele atravessou um mangue, cruzou uma lagoa a nado e correu pela praia até chegara um povoado onde alugou um carro. A polícia acredita que ele já tinha uma estrutura planejada para fuga.

Quatro dias depois, as equipes de inteligênc­ia identifica­ramo paradeiro do miliciano na fazenda de Leandro Guimarães.

A partir das informaçõe­s da polícia sobre a localizaçã­o de Adriano, o Ministério Público do Rio conseguiu na Justiça um mandado de busca e apreensão na propriedad­e.

Agentes da Polícia Civil do Rio desembarca­ram em Salvador na sexta (8) com o mandado em mãos e acertaram,

no dia seguinte, detalhes da ação com membros da Secretaria da Segurança da Bahia.

A operação eclodiu às 6h de domingo, quando um efetivo de 70 policiais chegou à fazenda de Leandro, mas não encontrou Adriano.

O pecuarista, que foi preso por porte ilegal de armas, disse não saber onde estava o miliciano. Depois, voltou atrás e disse ter sido ameaçado por Adriano, que o mataria caso contasse o seu paradeiro.

Foi Leandro quem levou Adriano ao novo esconderij­o na noite de sábado. Horas antes, a mulher do ex-PM havia sido parada em uma blitz na altura de Vitória da Conquista, sudoeste baiano. Sem irregulari­dades, o carro foi liberado.

A polícia trabalha com a hipótese de que o episódio tenha acendido o alerta em Adriano, que resolveu se esconder no sítio do vereador Gilsinho de Dedé (PSL). Segundo a polícia, ele já conhecia o local, visitado sob alegação de uma possível compra.

Na manhã de domingo, a polícia precisou da ajuda de moradores para localizar o ex-capitão no sítio. Os vizinhos haviam percebido uma movimentaç­ão estranha no local desde a noite de sábado e contaram aos policiais.

Ao chegar ao sítio, segundo a versão da polícia, Adriano estava do lado de fora e correu para dentro do imóvel. A polícia cercou a casa e teria dado voz de prisão. Não demorou a arrombar a porta.

Sempre de acordo com a versão oficial, um policial usando um escudo a prova de balas foi à frente, enquanto outro dois policiais com fuzis ficaram na retaguarda. Adriano teria reagido com uma pistola e os policiais atiraram.

A mulher de Adriano reforça a tese uma possível “queima de arquivo”.

A Polícia Técnica da Bahia analisa se as duas marcas identifica­das no escudo usado na ação são tiros. A Folha esteve no local e identifico­u uma marca de bala no imóvel, em uma janela, seguindo a trajetória de dentro para fora.

A Polícia Civil da Bahia estima concluir em 30 dias o inquérito sobre a ação polícia.

Adriano não havia sido enterrado até a tarde de sexta (14). Sua companheir­a pediu à Justiça, na quinta (13), que o corpo fosse levado para o IML do Rio para nova perícia.

A Justiça concordou com a transferên­cia, mas não determinou nova necrópsia, delegando essa decisão aos investigad­ores do caso.

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Raphael Muller/Folhapress
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Ao lado, o sítio em Esplanada (BA) onde Adriano da Nóbrega (acima) foi morto em operação policial
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Reprodução

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