Folha de S.Paulo

Carnaval de São Luiz do Paraitinga cria regras para evitar a massificaç­ão

Desfile de bloco carnavales­co é alterado, e cidade intensific­a controle sobre o folião sem noção

- Roberto de Oliveira

são luiz do paraitinga (sp) Enquanto São Paulo e Rio disputam a superiorid­ade numérica do Carnaval de blocos, São Luiz do Paraitinga acredita mais na qualidade da festa que na quantidade de foliões.

Na cidade histórica do Vale do Paraíba, a ordem é seguir a tradição e brincar ao som das marchinhas, embora não seja tão fácil manter esse clima de vilarejo. Muita gente já descobriu o seu charme e fez do local parada obrigatóri­a no mapa nacional da folia.

O concorrido bloco do Barbosa, por exemplo, atrai verdadeira­s multidões na terçafeira gorda. No Carnaval passado, reuniu cerca de 8.000 pessoas. No fim da festa, uma briga deu início a uma confusão generaliza­da, a PM foi acionada e, na ação, um rapaz caiu, bateu a cabeça e morreu.

Segundo Netto Campos, 36, secretário de Turismo e Cultura de São Luiz, neste ano o bloco vai trocar a terça-feira pela segunda, numa manobra para diminuir o número de foliões. “A saída do Barbosa na terça atraía muitos turistas que estavam voltando do litoral e também gente da região que aproveitav­a a despedida do Carnaval”, conta.

Empresária de Moema (zona sul paulistana), Rosana Dias, 56, rendeu-se à musicalida­de das antigas marchinhas e ao clima familiar durante três Carnavais em São Luiz.

“Ainda dá para curtir, mas precisa escolher os blocos certos”, diz. “A cidade faz festas incríveis, como a do Divino, culturalme­nte forte e alegre, sem macular a sua imagem de lugar aconchegan­te.”

Para ela, que não irá à folia deste ano, o cresciment­o do Carnaval de Paraitinga acabou por desvirtuá-lo.

Com um pouco mais de 10 mil habitantes, São Luiz chega a receber 80 mil pessoas durante o Carnaval (20% delas hoje vêm de São Paulo).

Com toda essa aglomeraçã­o de pessoas, até as mais elementare­s regras de conduta parecem ser misteriosa­mente esquecidas. Para evitar que a displicênc­ia estrague a festa, a prefeitura distribui em bares e pousadas o Manual do Folião. O texto colige uma série de instruções, como jogar o lixo nas lixeiras, respeitar as “minas” ou mesmo urinar apenas no banheiro, e, em alguns casos, a sanção. Quem se aliviar na rua, por exemplo, poderá ter que pagar multa de R$ 150.

O evento deve custar R$ 380 mil aos cofres do município. Outros R$ 150 mil vieram do ProAC, o Programa de Ação Cultural da Secretaria Estadual da Cultura, direto para a Abloc (Associação de Blocos).

Haverá 11 portais para controlar o acesso à festança. Cooler, isopor com bebida, garrafas de vidro e saco de gelo estão proibidos no centro histórico. Para entrar na cidade, deve-se pagar uma taxa de preservaçã­o ambiental: R$ 10 (motos), R$ 25 (carros), R$ 50 (vans) e R$ 150 (ônibus).

Há quem escape desse pagamento ao estacionar na rodovia Oswaldo Cruz, às margens da cidade, e entrar a pé na área festiva. São os chamados “foliões bate e volta”.

“Muitos deles não respeitam nem as regras nem as nossas tradições. Trazem bebidas, deixam lixo e vão embora sem movimentar a economia daqui”, critica Regina Dias Monteiro, 57, dona da Hospedagem Casa da Regina. “Para piorar, ainda trazem caixas de som para ouvir música com letras que não condizem em nada com a cultura luizense.”

Não é demasiado avisar: nada de axé, trio elétrico ou abadá. No Carnaval de São Luiz do Paraitinga, só toca marchinha.

Quando, em 1981, a festa popular de rua foi retomada, a cidade tinha como principal referência carnavales­ca o samba do Rio, mesmo sendo um lugar de tradição secular, com as bandas de música e o dobrado, estilo musical derivado das marchas militares.

Três anos depois, bolaram o Festival de Marchinhas para incrementa­r a produção de canções para o Carnaval —a festa foi cancelada duas vezes: em 2010, quando uma forte enchente atingiu a cidade, e em 2017, por falta de verba. Hoje, 2.000 marchinhas compõem o acervo cultural de São Luiz do Paraitinga.

“A musicalida­de é muito simples”, explica o comerciant­e Pedro Moradei, 55. “São temas que falam, sobretudo, de nós. As marchinhas contam a nossa história”, continua ele, líder do bloco do Caipira, cuja fundação data de 1993, no qual sai toda a família: além dele, a mulher, Ana Rosa, 44, as filhas Maria Izaura, 22, e Maria Lívia, 13, e o caçula, José Pedro, 4. Anota aí: a caipirada desfila na segunda-feira (24), às 18h.

Pedro explica que até o próprio jeito de dançar o Carnaval em São Luiz é peculiar. “É quase um arrasta-pé.” Mais: “Nossa marcha é junina. Os bonecos, tradiciona­is também na Festa do Divino, fazem parte do cenário, assim como a indumentár­ia, elaborada com chitas, fitas e fuxicos”.

Estampada em cores vibrantes, feita de algodão mais simples, a chita é sem dúvida o adereço mais popular da folia.

Três dias antes do Natal, Gracilha Rodrigues Moreira, 65, dava início, ao lado de seus quatro cães adotados, à maratona carnavales­ca. Diante de uma máquina de costura, dona Graça, como é conhecida por toda a região, há 20 anos cria e confeccion­a fantasias para mais de cem foliões.

Não é incomum ela se dedicar, por três dias consecutiv­os, ao feitio de uma peça exclusiva. Neste ano, o uniforme mais caprichado, seu “estandarte particular”, como ela própria define, é o do artista Benito Campos, 68.

Rico em retalhos, fitas, brilhos e aplicação de bordados, o terno dele será a vestimenta da abertura oficial do cortejo dos 25 blocos, programada para a manhã de sábado (22).

A partir das 7h, Benito servirá um café aos foliões. Em seguida, segue com a Caminhada da Indignação, um folguedo para despertar quem ainda estiver jogado na cama.

Benito presta homenagem a Juca Teles, codinome do oficial de Justiça Benedito de Souza Pinto. Homem festeiro, ligado às tradições católicas, criou o personagem Juca Teles do Sertão das Cotias para, em dias de festança, esbaldarse até cair. Na primeira metade do século passado, saía às ruas descalço. Muitas vezes, ia de tamancos. Vestia fraque preto e cartola. Uma simpatia.

“Era no improviso que o talentoso Juca se destacava na multidão”, conta Benito. Seu bloco foi fundado em 1983. Artista plástico, folclorist­a, anda preocupado com o futuro das tradições. Daí seu esforço em resgatar manifestaç­ões que cortejam a cultura.

“O despertar do bloco é uma incitação à farra e à folia”, diverte-se. “Afinal, a vida é para ser comemorada.”

No Carnaval dos Sertão das Cotias, essa saudação é simples e direta, como as cantarolad­as repetidas vezes nas marchinhas de São Luiz.

 ??  ?? 1
1
 ?? Fotos Adriano Vizoni/Folhapress ?? 3
1 Pedro Moradei, 55, a mulher, Ana Rosa, 44, e o filho, José Pedro, 4, do bloco do Caipira, que sai na segunda (24) de Carnaval em defesa das tradições 2 Bonecos carnavales­cos 3 Benito Campos, 68, do Juca Teles, que faz a abertura oficial da festa, no sábado (22)
4 Peças de chita e retalhos, singulares no indumentár­ia carnavales­ca 5 A costureira Dona Graça, com seu neto, João, 2, em seu ateliê
Fotos Adriano Vizoni/Folhapress 3 1 Pedro Moradei, 55, a mulher, Ana Rosa, 44, e o filho, José Pedro, 4, do bloco do Caipira, que sai na segunda (24) de Carnaval em defesa das tradições 2 Bonecos carnavales­cos 3 Benito Campos, 68, do Juca Teles, que faz a abertura oficial da festa, no sábado (22) 4 Peças de chita e retalhos, singulares no indumentár­ia carnavales­ca 5 A costureira Dona Graça, com seu neto, João, 2, em seu ateliê
 ??  ?? 4
4
 ??  ?? 2
2
 ??  ??
 ??  ?? 5
5

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil