Folha de S.Paulo

Pau, vinil, papel

- Ruy Castro

rio de janeiro Escrevi um dia que todas as vezes que Tom Jobim abriu o piano o mundo melhorou. A beleza que ele extraía do que tocasse —notas soltas, um novo acorde, uma canção completa— parecia transfigur­ar quem o ouvisse, fosse uma plateia doméstica, de trabalho, ou de centenas, num teatro. E nunca vi alguém tão amoroso diante de seu instrument­o. Até a maneira com que dizia a palavra, como se a acariciass­e com a voz, revelava isso. Certa vez ele o definiu, para mim e para o editor Almir Chediak: “O piano é uma fábrica, não é?”.

Daí seu susto em Los Angeles, em 1973, ao saber que Cesar Camargo Mariano, diretor musical do disco “Elis & Tom”, que iriam começar a gravar, queria que ele tocasse piano elétrico, maquininha que Tom chamava de “aporrinhol­a”. E susto maior ainda ao ouvir Mariano referir-se ao piano acústico, de madeira e cordas, obra-prima da criação humana, como “piano de pau”. Tom chamou o produtor Aloysio de Oliveira:

“Aloysio, me socorre! Ele chamou o piano de piano de pau!”.

Para Cesar Mariano, parecia normal: se um era o piano elétrico, de plástico, o outro só podia ser o “piano de pau” —assim como o baixo elétrico, dos roqueiros, já reduzira o sonoro, generoso e querido contrabaix­o acústico, de madeira, a um reles “baixo de pau”.

Ao ouvir outro dia essa história do piano de pau, perguntei-me por que, quando surge uma nova tecnologia, é a antiga que muda de nome. Quando surgiu o CD, de metal, o velho LP passou a ser chamado de “vinil” —o material com que era fabricado. Por que não deixaram o LP em paz e, em vez disso, chamaram o CD de “metal”? E por que o velho telefone, diante dos celulares e smartphone­s, deixou de chamar-se telefone e tornou-se “telefone fixo”?

E por que o jornal, que há tantos séculos nos abraça e envolve quando o abrimos, é que, diante dos jornais digitais online, está sendo chamado de “jornal de papel”?

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