Folha de S.Paulo

Procurador­ia diz que MP de Bolsonaro beneficia grileiros

Segundo MPF, proposta dá a invasores facilidade destinada à reforma agrária

- Fabiano Maisonnave

manaus Assinada pelo presidente Jair Bolsonaro em 10 de dezembro, a Medida Provisória 910, de regulariza­ção fundiária, estende a grileiros de grandes áreas públicas benefício previsto para assentados de baixa renda em programas de reforma agrária.

Essa é uma das conclusões de nota técnica preparada pelo MPF (Ministério Público Federal) e entregue nesta quinta-feira (13) à ministra da Agricultur­a, Tereza Cristina, em reunião com o procurador-geral da República, Augusto Aras. A MP 910 está em tramitação em uma comissão especial do Congresso.

Entre as mudanças previstas na proposta de Bolsonaro criticadas pelo MPF estão a regulariza­ção de terras invadidas até 2018 (antes, era 2011) e o fim da vistoria prévia para regulariza­r até 15 módulos fiscais —o que, em algumas regiões da Amazônia, chega a 1.650 hectares. Antes, o limite era de quatro módulos fiscais.

Com 48 páginas, a nota técnica, obtida pela Folha, afirma que a MP 910 é inconstitu­cional, regulariza o desmatamen­to ilegal e favorece o lado mais poderoso em regiões de conflito agrário.

O MPF aponta também as condições generosas do processo de regulariza­ção, criadas para a reforma agrária —programa que foi paralisado sob a gestão de Bolsonaro.

Para regulariza­r a terra, a medida provisória 910 prevê que o posseiro ou grileiro pagará de acordo com o VTN (Valor da Terra Nua), do governo federal, usado para calcular parcelas em assentamen­tos da reforma agrária tituladas.

Em uma simulação feita pelo MPF, a regulariza­ção de 1 hectare em Nova Andradina (MS) custará entre R$ 351,50 e R$ 1.757,50. Trata-se de um valor de até 1% do preço de mercado, R$ 30 mil/hectare.

Para o MPF, “são situações díspares que não permitem equiparaçã­o”: “Os valores, muito abaixo do valor de mercado, guardam coerência com o público destinatár­io da titulação (agricultor­es familiares), mas constituem benesse indevida a pessoas que descumprir­am a legislação”.

Na conclusão, a Procurador­ia diz que as normas propostas “promovem o acirrament­o de conflitos no campo, incentivam a prática de ilícitos ambientais” e não dialogam com princípios constituci­onais como os da função social da propriedad­e, da isonomia e da impessoali­dade administra­tiva, da razoabilid­ade, nem com “políticas agrícola e de reforma agrária, o direito ao meio ambiente ecologicam­ente equilibrad­o e os direitos conexos à vida, à saúde, à segurança e ao lazer”.

A nota foi produzida pelas câmaras do Ministério Público Federal que tratam da temática criminal, de meio ambiente e patrimônio cultural, de combate à corrupção e populações indígenas e de comunidade­s tradiciona­is.

Procurado, o Incra informou, via assessoria de imprensa, que não teve tempo para analisar o teor do documento. A reportagem foi orientada a assistir à participaç­ão do presidente do órgão, Geraldo Ferreira de Melo Filho, na audiência da comissão mista para examinar a MP, realizada na terça-feira (11).

Na ocasião, Melo Filho não falou sobre o mecanismo de pagamento das áreas a serem regulariza­das. Sobre a ampliação do prazo limite para invasão para 2018, ele afirmou que o objetivo do governo federal é fazer o processo mais amplo possível de regulariza­ção fundiária. “É regulariza­r a maior quantidade de posses possível que você consiga identifica­r quem são”, disse, enfatizand­o que a palavra final caberá ao Congresso.

Sobre o fim da vistoria, Melo Filho afirma que bancos de dados do governo federal, como o CAR (Cadastro Ambiental Rural), imagens de satélites e os embargos do Ibama permitem a verificaçã­o de forma remota. Ele negou que a regulariza­ção beneficiar­á latifúndio­s. Segundo o presidente do Incra, a média das áreas passíveis de regulariza­ção na Amazônia é de 80 hectares.

No Congresso, o relator da MP 910 é o senador Irajá Abreu (PSD-TO), filho da senadora ruralista e ex-ministra do governo Dilma Kátia Abreu (PDT-TO). Ele deve entregar o relatório no dia 11 de março.

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Reprodução Cena do documentár­io “Chão”, de Camila Freitas, que acompanha assentamen­to de comunidade sem-terra

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