Folha de S.Paulo

Efeito de robôs em vitórias de Trump e brexit é questionad­o

Pesquisa critica teses acadêmicas que teriam identifica­do o impacto de contas automatiza­das no Twitter

- Fábio Takahashi

são paulo “Robôs em redes sociais influencia­ram eleições. Isso soa plausível? Sim. Isso tem consistênc­ia científica? De jeito nenhum.”

A provocação foi feita pelo cientista de dados e jornalista alemão Michael Kreil, em texto publicado no fim do ano passado, que motivou discussão entre pesquisado­res da área.

Kreil conta que, no começo de 2017, estava interessad­o em escrever uma reportagem sobre a importânci­a dos robôs nas redes sociais após o brexit e a eleição de Donald Trump.

Diversas pesquisas acadêmicas apontaram esses robôs como peças determinan­tes para a vitória do “leave” (sair) no Reino Unido e da eleição do republican­o nos EUA.

“Quanto mais eu pesquisava o tema, quanto mais lia pesquisas acadêmicas, mais eu passava a duvidar da teoria de que os robôs foram importante­s”, disse Kreil, por email.

Os chamados robôs são perfis nas redes sociais que publicam mensagens de forma automatiza­da e, geralmente, massiva. Seja trabalhand­o para promover uma marca, seja para criar ambiente favorável a determinad­o candidato numa eleição.

Os primeiros robôs basicament­erepostava­mmensagens. Mas agora estão mais sofisticad­os e conseguem até manter diálogo com outros perfis.

Kreil identifico­u três estudos que defenderam a importânci­a dos robôs nessas votações e foram amplamente citados pela imprensa, em veículos como The New York Times, The Washington Post, Forbes, The Guardian e Folha.

Por diferentes razões, ele vê inconsistê­ncia nos três trabalhos científico­s. Em dois deles, um da Universida­de de Oxford e outro da Universida­de do Sul da Califórnia, a contestaçã­o é sobre como definir se uma conta é alimentada por um robô.

“Determinar se uma conta é operada por um humano ou é um robô tem se mostrado uma tarefa desafiador­a”, reconhecer­am em seus trabalhos os pesquisado­res Alessandro Bessi e Emilio Ferrara, da Universida­de do Sul da Califórnia.

Nessas contas suspeitas, não há uma identifica­ção clara de que o perfil seja automatiza­do. O que pesquisado­res fazem é fixar padrões que, segundo eles, determinam se a conta é operada por um robô ou por uma pessoa. E, a partir daí, o impacto dessas contas no debate político é analisado.

Os pesquisado­res tendem a usar o Twitter como forma de estudar esse fenômeno, pois é a rede social com mais dados disponívei­s sobre postagens e perfis (maior plataforma do mundo, o Facebook restringiu acesso a informaçõe­s a terceiros após a descoberta de que a empresa Cambridge Analytics teve acesso a dados de 87 milhões de contas).

No trabalho em cima do

Twitter da equipe da Universida­de Oxford (junto com pesquisado­res das universida­des de Washington e Corvinus), eles classifica­ram como robôs perfis que postaram mais de 50 vezes num dia na rede social, citando hashtags referentes à eleição americana de 2016.

O cientista de dados alemão aplicou esse parâmetro para perfis verificado­s do Twitter, aqueles que a rede social atesta como contas verdadeira­s. Entre 300 mil desses usuários verificado­s, 1,46% seriam classifica­dos como robôs, segundo teste do jornalista.

É uma proporção maior do que a encontrada pelos pesquisado­res de Oxford no universo total analisado por eles (0,11% de robôs na amostra). “Como há mais robôs entre contas verificada­s? Não há outra explicação científica se não falha na metodologi­a”, afirmou o Kreil.

Os autores do estudo não respondera­m ao contato da reportagem da Folha para comentarem as críticas.

Kreil também testou o modelo usado pelos pesquisado­res da Universida­de do Sul da Califórnia (com a Universida­de de Indiana) para detectar robôs. Para identifica­r as contas automatiza­das, os pesquisado­res usaram modelo que considera mais de mil caracterís­ticas das contas, como a frequência com que postam e o padrão de seguidores.

Teste com a ferramenta feito pelo jornalista alemão indica que 12% dos ganhadores do prêmio Nobel apareciam como prováveis robôs no Twitter —o que também não faz sentido, segundo o jornalista.

O professor Emilio Ferrara, um dos autores do trabalho, afirmou à reportagem que sua metodologi­a é consistent­e e foi checada por outros pesquisado­res. Ele lembrou também que o estudo foi usado por comitê do Senado americano que investigou a interferên­cia russa nas eleições americanas de 2016. Ferrara, porém, negou-se a comentar as críticas específica­s feitas por Kreil.

“Não acredito que as pessoas nas redes sociais possam ser orientadas por influência estrangeir­a ou contas automatiza­das”, afirmou o jornalista alemão. “Quem já discutiu com alguém sobre política sabe o quanto é difícil alguém mudar de opinião.”

Esse ceticismo sobre a influência de contas automatiza­das no debate político não parece ser uma ideia majoritári­a entre os cientistas políticos que analisam o tema.

“Estou de acordo que as técnicas disponívei­s para identifica­r robôs são muito imprecisas”, afirmou o professor do curso de gestão de politicas públicas da USP Pablo Ortellado, colunista da Folha.

“Mas também estou de acordo com o argumento geral de que os bots existem e influencia­m o debate. Só é muito difícil saber a sua dimensão e em que medida os bots influencia­m o debate.”

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