Folha de S.Paulo

A primavera falida da América Central

Flama de protestos em Honduras, Guatemala e El Salvador se apagou rápido

- Sylvia Colombo Correspond­ente em Buenos Aires, foi editora da Ilustrada e participou do programa Knight-Wallace da Universida­de de Michigan

Em 2015, a Guatemala foi às ruas para pedir a renúncia do então presidente de direita Otto Pérez Molina, acusado de corrupção. Foram semanas de protestos coloridos e liderados por jovens.

A pressão foi tão grande que os congressis­tas iniciaram um processo de impeachmen­t. Pérez Molina acabou renunciand­o. Ainda assim, foi julgado e condenado. E hoje continua atrás das grades.

Depois, foi a vez de Honduras.

No mesmo ano, em Tegucigalp­a, milhares saíram às ruas, à noite, por três meses, nas “marchas das tochas”, provocando um impression­ante panorama visual à distância.

Os hondurenho­s revoltaram­se por conta de um desvio de verbas (de cerca de US$ 200 milhões) na área da saúde. O então presidente já era o direitista Juan Orlando Hernández (conhecido como JOH).

Pouco depois, a Justiça de El Salvador começou um

processo contra um ex-presidente acusado de corrupção, Mauricio Funes, que governou pela sigla esquerdist­a Frente Farabundo Marti para a Liberação Nacional.

Todos esses acontecime­ntos levaram analistas a rotular o que ocorria na região como o princípio de uma possível “primavera da América Central”.

A ideia era otimista: essa região esquecida e pobre das Américas vivia agora um despertar democrátic­o, depois de anos de guerras civis, governos corruptos e grande ingerência dos EUA.

Infelizmen­te, a primavera acabou de modo repentino e deu lugar a um tenebroso inverno. Nos três países que viveram um sopro de entusiasmo, hoje se veem máfias instaladas no poder e uma imensa influência dos Estados Unidos em sua política interna, exigindo que os governos resolvam, quase sem recursos, a crise da imigração

—milhares deixam a região rumo aos EUA para fugir da violência das facções criminosas.

Na Guatemala, o governo eleito depois de Pérez Molina eliminou os esforços anticorrup­ção que permitiram trazer à tona os escândalos de 2015.

Em Honduras, a flama se apagou ainda mais rápido: Juan Orlando Hernández se reelegeu em eleições contestada­s. Além disso, acumula acusações de participaç­ão em casos de corrupção e narcotráfi­co, sendo suspeito até de estar relacionad­o ao narcotrafi­cante mexicano Joaquín “Chapo” Guzmán.

No último fim de semana, o presidente salvadoren­ho Nayib Bukele entrou no Congresso com o Exército para pressionar os parlamenta­res a aprovarem um empréstimo de US$ 100 milhões para um plano de segurança.

Em comum, os três países têm a pressão de Donald Trump para endurecer controles e bloquear a saída dos imigrantes, mesmo sabendo que isso penaliza boa parte da população local, vítima das “maras” (gangues).

Se há alguma boa notícia aqui é que essas três democracia­s jovens, mesmo com economias debilitada­s por guerras e pela pressão dos EUA, têm tentado, com avanços e retrocesso­s, sair das penumbras em que viveram por tantas décadas, controlada­s por máfias políticas e criminosas.

Hoje, contam com uma população mais bem informada, com o jornalismo, a literatura e a sociedade cada vez mais inquietas.

Que daí surja uma nova primavera, e desta vez para valer.

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