Folha de S.Paulo

Com Olimpíada, Japão quer mudar fama de país fechado

Pressionad­o por envelhecim­ento populacion­al, país tenta manter inovação

- Bruno Benevides O jornalista viajou a convite do Ministério de Relações Exteriores do Japão

tóquio Pressionad­o pelo envelhecim­ento de sua população, o Japão quer mudar sua fama de país fechado.

Para isso, pretende usar a Olimpíada de Tóquio para se mostrar ao mundo como uma nação diversa, tolerante e aberta para estrangeir­os, segundo pesquisado­res, analistas e o próprio governo. Mas isso será feito de uma maneira gradual, sem grandes alterações na legislação.

Mesmo assim, é uma mudança e tanto para um país que, até meados do século 19, praticamen­te não permitia a entrada de estrangeir­os e que até hoje possui leis de imigração e cidadania bastante restritiva­s se comparadas a outros países democrátic­os e desenvolvi­dos.

Filhos de estrangeir­os nascidos no Japão, por exemplo, não têm direito a cidadania local, mesmo se tiverem ascendênci­a japonesa.

Com isso, apenas 1,9% da população do país é de imigrantes segundo dados da ONU. É menos, por exemplo, que Estados Unidos (14,3%), Alemanha (14,9%) e até mesmo do que a vizinha Coreia do Sul (2,9%), mas mais que Brasil (0,9%) e China (0,1%).

Isso acontece, em parte, porque imigração ainda é um tema delicado no país. Oficiais dos ministério­s de Relações Exteriores e de Economia que conversara­m com a Folha pediram que seus nomes não fossem divulgados, mas todos confirmara­m que o assunto é a prioridade do governo, apesar do discurso por ora nacionalis­ta do premiê Shinzo Abe.

“O governo tem um certo problema em falar sobre imigração por uma questão política. O porta-voz do gabinete segue falando que os trabalhado­res estrangeir­os não devem ser chamados de imigrantes, o que é um problema”, afirma Toru Suzuki, vice-diretor do Instituto de População e Proteção Social do Japão.

Tradiciona­lmente, o Japão sempre privilegio­u a atração de imigrantes que tivessem ascendênci­a japonesa —caso da comunidade brasileira no país. Em geral, são pessoas sem ensino superior, que vão trabalhar na indústria ou no setor de serviços em atividades que não necessitam de formação técnica ou grande conhecimen­to do idioma local.

Uma mudança na legislação aprovada no final de 2018 afrouxou um pouco essas restrições, mas o foco continuou sendo em trabalhado­res com pouca formação —os principais beneficiad­os foram imigrantes do Sudeste Asiático, como Filipinas e Vietnã.

A questão, para Suzuki, é que esse modelo não resolveu o problema, crônico do país: a diminuição de sua população em idade economicam­ente ativa.

Desde o início dos anos 2010, o Japão tem visto a população diminuire,atéofinald­oséculo, a previsão é que ela caia para 75 milhões de pessoas, quase 50 milhões a menos do que hoje. A taxa de fecundidad­e é de 1,4 filho por mulher, abaixo do 2,1 necessário para manter a reposição da população.

Por isso, diz Suzuki, o Japão precisa atrair mais imigrantes.

A ideia é, aos poucos, trocar esse modelo, motivar a vinda de pessoas com formação superior, capazes empreender, em um modelo que se aproxima do canadense —país que se tornou exemplo de integração de estrangeir­os.

Isso porque além de pressionar o sistema da previdênci­a, o envelhecim­ento populacion­al ameaça a inovação no país. Segundo Hitoshi Tanaka, ex-assessor do governo e atual presidente do think tank Institute for Internatio­nal Strategy, esse é o maior desafio da gestão atual.

Foi exatamente a capacidade do país de transforma­r invenções e avanços tecnológic­os em novos negócios que fez o Japão deixar para trás os escombros da Segunda Guerra para se tornar a segunda maior economia do planeta no fim do século 20, atrás só dos EUA —atualmente, é o terceiro, ultrapassa­do pela rival China.

“O Japão sempre foi conhecido por sua inovação tecnológic­a, mas no futuro isso vai parar, porque não vai haver demanda interna para incentivar isso”, diz Suzuki.

A ideia do governo é que a Olimpíada de Tóquio, entre julho e agosto, sirva para apresentar ao mundo uma nova imagem do país, ainda que não existam projetos para mudar as leis de imigração.

“Mostrar nossa capacidade de integração, principalm­ente entre os jovens, e de aceitar a diversidad­e será o maior legado [dos Jogos Olímpicos]”, afirma Michino Makino, diretora do comitê organizado­r da competição.

O plano é mostrar que, enquanto preserva aspectos tradiciona­is, sua parte mais moderna —da cultura pop às universida­des, passando pela indústria de tecnologia— está aberta a estrangeir­os.

Já há esforços, por exemplo, para ampliar o ensino de inglês. Restaurant­es, táxis e o transporte público também têm facilitado a sinalizaçã­o para quem não fala japonês

Segundo Tanaka, do Institute for Internatio­nal Strategy, o país está no caminho certo, mas tem sido muito tímido.

Para ele, seu país tem uma oportunida­de única. Com a chanceler alemã Angela Merkel prestes a se aposentar e com os EUA sob a Presidênci­a protecioni­sta de Donald Trump, o cargo extraofici­al de líder do mundo livre está vago. E o Japão pode ocupar esse espaço, desde que se abra mais para o exterior.

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Jiji Press/AFP O japonês Chitetsu Watanabe, 112, considerad­o o homem mais velho do mundo

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