Folha de S.Paulo

Atraso nas reformas, ciumeiras e avanço militar desgastam Guedes

Superminis­tro tenta preservar agenda econômica no meio de um realinhame­nto de forças no governo

- Fábio Pupo e Gustavo Uribe

brasília O ministro da Economia, Paulo Guedes, vive dias estressant­es. Publicamen­te, teve de contornar a repercussã­o de duas falas desastrada­s —ter chamado o servidor público de parasita e associar a festa do dólar barato à ida de domésticas à Disney.

Nos bastidores, ainda precisou suportar mais um adiamento no envio da reforma administra­tiva para o Congresso e o avanço da influência dos militares nas decisões do Executivo.

Consolida-se a percepção de que o próprio presidente Jair Bolsonaro e o núcleo militar não querem a reforma que mexe com os servidores. Cogitou-se, a contragost­o de Guedes, que a proposta até fosse para a gaveta.

Após pressão do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o governo voltou atrás. Mas o texto vem sendo revisto desde a sua entrega a Bolsonaro, em novembro, e o que se espera é uma versão final desidratad­a.

O pano de fundo do vaivém é um realinhame­nto no jogo de forças do governo.

Em termos de estrutura de comando, Guedes é um superminis­tro. A Economia, que reuniu praticamen­te cinco pastas de governos anteriores, ficou ainda maior neste mês com a incorporaç­ão da secretaria especial do PPI (Programa de Parcerias de Investimen­tos, antes na Casa Civil).

A avaliação de assessores presidenci­ais é que, apesar de já ter tantas áreas, o ministro tenta elevar sua ascendênci­a sobre outros ministério­s para aumentar a rede de aliados e de se blindar de críticas.

Guedes tentou, por exemplo, emplacar Rogério Marinho na Casa Civil. Mas Bolsonaro preferiu o general Braga Netto, candidato defendido pelos generais Luiz

Eduardo Ramos, ministro da Secretaria de Governo, e Augusto Heleno, do Gabinete da Segurança Institucio­nal. Marinho ficou, então, com o posto de ministro do Desenvolvi­mento Regional.

Essa escalação, no entanto, também não foi serena.

O ex-ocupante do Desenvolvi­mento Regional, Gustavo Canuto, que foi deslocado para a estatal Dataprev, era próximo do então ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, e tinha uma boa relação com o titular da Secretaria­Geral,

Jorge Oliveira.

Na semana anterior à mudança ministeria­l, Guedes e Onyx tiveram outro desgaste, com a transferên­cia do PPI da Casa Civil para a Economia. Na transição de governo, Guedes defendia a mudança, mas Bolsonaro resistiu por uma questão hierárquic­a, já que cabe à Casa Civil coordenar atividades interminis­teriais.

Em janeiro, no entanto, o presidente se irritou com os custos de viagens internacio­nais feitas por assessores do programa e decidiu atender ao pleito da Economia.

Na época, auxiliares da Casa Civil acusaram Guedes de ter se aproveitad­o da crise para transferir a estrutura e se fortalecer com o presidente.

As críticas ao ministro da Economia são feitas ainda no Ministério do Meio Ambiente. A avaliação, também compartilh­ada pelo Planalto, é que Guedes errou ao ter querido ser o único protagonis­ta da comitiva brasileira e não ter escalado o ministro Ricardo Salles para participar do Fórum Econômico Mundial, em Davos.

A presença de Salles poderia ter poupado Guedes de causar polêmica ao relacionar desmatamen­to e pobreza quando tentava sublinhar, de forma considerad­a desajeitad­a, que países ricos desmataram e poluíram mais do que os emergentes.

Mesmo sem Salles, a equipe econômica informou que o CBA (Centro de Biotecnolo­gia da Amazônia), gerenciado pela Suframa (Superinten­dência da Zona Franca de Manaus), será transforma­do em um centro de negócios sustentáve­is.

No Meio Ambiente, o diagnóstic­o é que o anúncio foi apressado, uma vez que a ideia é embrionári­a e que a meta de cumpriment­o em abril não deve ser atendida.

Em meio a todos os questionam­entos, Bolsonaro revelou, em janeiro, movimentos para separar a pasta da Economia. Segundo ele, a maior pressão é pela volta do Planejamen­to e da Fazenda. “Se isso [a pressão] se tornar público, vão dizer que estou querendo enfraquece­r o Guedes”, disse.

A ideia da separação é cogitada pelo núcleo militar do governo, mas ainda está em estudo. Pesa na avaliação o fato de a campanha de Bolsonaro ter defendido redução da quantidade de ministério­s.

No Ministério da Economia, os integrante­s defendem a estrutura atual. Em 2019, afirmam, as equipes ainda estavam sendo formadas e se adaptando aos novos processos e funções. A visão é que a dinâmica tende a ficar mais fluida no segundo ano e conforme o tempo avança.

A principal vantagem do superminis­tério, segundo seus membros, é a coerência nas decisões. Resultado do alinhament­o, mencionado por Guedes a interlocut­ores, é o acordo entre Mercosul e União Europeia (que antes tinha oposição de certas pastas).

A Economia reúne os antigos ministério­s da Fazenda, do Planejamen­to, da Indústria, do Trabalho e da Previdênci­a (que foi incorporad­a à Fazenda no governo Temer).

Com a divisão de poderes entre várias pastas, avaliam, os embates na Esplanada poderiam ser ainda maiores e não contribuir para o avanço da agenda das reformas.

Brigas em torno de medidas econômicas eram comuns, como aquelas entre Fazenda e Planejamen­to em decisões, por exemplo, do Conselho Monetário Nacional.

Também fonte de conflitos era o extinto Ministério da Indústria, que recebia demandas da iniciativa privada e travava embates com o titular da área econômica em torno de medidas para empresas.

Outro argumento da equipe econômica é que Guedes quer empreender uma profunda mudança no Estado, e, assim, o ministério deve ser do tamanho do desafio proposto.

No dia a dia, Guedes ainda é visto como alguém sobrecarre­gado. Auxiliares e parlamenta­res disputam a agenda dele, e quem consegue um horário brinca que tem que ocu

“Se isso [a pressão para desmembrar o Ministério da Economia] se tornar público, vão dizer que eu estou querendo enfraquece­r o [Paulo] Guedes

Jair Bolsonaro presidente da República, em 24 de janeiro

pá-la, tal como movimentos sociais, e resistir a qualquer movimento de alteração.

Pessoas próximas dizem que osetorpriv­adotemtido­menos atenção do ministro do que no passado. Os antecessor­es, Henrique Meirelles e Eduardo Guardia, tinham uma gama maior de encontros.

Os compromiss­os de Guedes são vistos quase todos como internos. A secretaria especial de Produtivid­ade ficou responsáve­l pelo diálogo com a iniciativa privada. Nas tradiciona­is sextasfeir­as do ministro no Rio de Janeiro é que empresas e associaçõe­s têm mais chances de encontrá-lo.

Há relatos de que o tamanho do ministério gerou ruídos entre gabinetes. Paralelame­nte, Guedes precisa administra­r o mencionado ego de parte da equipe, que tem disputas internas de poder.

As dificuldad­es na pasta chegaram a ser mencionada­s por ele há cerca de dois meses, embora não tenha entrado em detalhes. “Fizemos uma junção de cinco ministério­s, e não é nada trivial carregar isso. É muito difícil enquanto está tudo girando”, disse.

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Pedro Ladeira - 19.nov.19/Folhapress O ministro da Economia, Paulo Guedes, em Brasília

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