Folha de S.Paulo

Teto de gastos está sob ataques que podem tornar medida ineficaz

Perder esse instrument­o será jogar fora uma das âncoras centrais que interrompe­ram a grave crise econômica da última década

- Marcos Lisboa e Marcos Mendes Marcos Lisboa, presidente do Insper e colunista da Folha, foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-05); Marcos Mendes é pesquisado­r associado do Insper e colunista da Folha.

são paulo O teto de gastos, instituído pela emenda constituci­onal 95, permitiu conter temporaria­mente o cresciment­o da despesa e da dívida pública, levando à queda dos juros e à recuperaçã­o, ainda que modesta, da economia. Perder esse instrument­o será jogar fora uma das âncoras centrais que interrompe­ram a grave crise da última década.

O teto está sob ataque. Diversas medidas têm aberto brechas que, em pouco tempo, o tornarão ineficaz.

Em dezembro houve a capitaliza­ção da Emgepron, no valor de R$ 7,6 bilhões, que nos lembra o triste período recente da contabilid­ade criativa.

A capitaliza­ção de estatais não dependente­s está fora do teto de gastos. Essa exceção foi criada porque, em um período de 20 anos de vigência da regra de contenção de despesas, poderia haver a necessidad­e de capitaliza­r uma empresa estatal do porte de Petrobras ou Eletrobras, o que exigiria aporte de recursos elevado e atípico, provavelme­nte além do limite do teto.

Pois bem, essa exceção foi usada de forma um tanto engenhosa para expandir os gastos primários. A Emgepron, empresa que não atua no mercado nem gera receita regular, foi capitaliza­da para financiar a construção de corvetas e, posteriorm­ente, arrendálas para a Marinha. O gasto público do investimen­to militar, que em nada difere dos gastos sujeitos ao teto, foi criativame­nte isentado do limite.

Emoutraini­ciativa, amedida provisória 900, em tramitação no Congresso, cria um fundo privado para gerir recursos oriundos de multas aplicadas pelas autoridade­s ambientais. Os recursos serão vinculados ao Ministério do Meio Ambiente, e seu uso, definido por portaria do ministro.

A natureza privada do fundo significa que os seus recursos não fazem parte do Orçamento da União e, consequent­emente, não estão sujeitos ao teto. De quebra, ainda se gasta dinheiro público para que uma instituiçã­o financeira gerencie esses recursos.

Estão dados os caminhos para contornar a limitação legal. Outros fundos privados e capitaliza­ções de estatais, criando orçamentos paralelos, não tardarão a aparecer. Os princípios da unicidade e transparên­cia orçamentár­ia vão para as calendas. Audiências públicas para a concessão de portos, parques nacionais e rodovias já preveem que receitas de outorga sejam depositada­s em contas vinculadas, fora da conta única do Tesouro.

Deve-se ressaltar que essas medidas são iniciativa­s do Poder Executivo, o mesmo que prega a necessidad­e de cumprir o teto e que enviou uma PEC Emergencia­l ao Congresso para controlar a despesa pública. Esquizofre­nicamente, o governo desfaz com a mão esquerda o que propõe com a direita.

E o Legislativ­o já captou a mensagem. Um projeto de lei que pretende instituir o novo marco legal de concessões e PPPs cria a possibilid­ade de que a outorga ou qualquer outro pagamento feito pelo concession­ário ao poder público seja destinado para um “gestor de fundo de apoio à Estruturaç­ão de Parcerias”, que viabilizar­ia a contrataçã­o de novos projetos de concessões.

Esses recursos podem ser depositado­s em conta vinculada para garantir o pagamento das contrapart­idas devidas pelo poder público ao parceiro privado, além de também ser possível que o concession­ário custeie obras fora do escopo da concessão. Todas essas previsões legais significam a criação de contas paralelas para fugir do teto.

A moda pegou. O Senado está propondo adaptar a PEC enviada pelo governo que acabava com mais de duas centenas de fundos públicos para dar outra estocada no teto.

No relatório recém-divulgado, os recursos desvincula­dos dos fundos, que deveriam ser liberados para pagar a dívida pública, estão sendo direcionad­os para gastos previament­e escolhidos pelos senadores.

Háatéumaes­tranhaprio­ridade para a interioriz­ação de gasodutos. Não é a primeira vez que esse segmento, de controle fortemente concentrad­o, tenta encontrar uma brecha para ser beneficiad­o por uma medida do Legislativ­o.

Além disso, o relatório chegou a propor que as receitas desvincula­das e redirecion­adas para outros gastos fossem excepciona­lizadas do teto por um exercício financeiro. Felizmente houve recuo.

A complement­ação da União ao Fundeb (fundo de financiame­nto da educação básica), que está fora do teto pela prioridade dada à educação, está em discussão no Congresso.

Existe proposta para expandir esse gasto em mais de R$ 20 bilhões por ano, sem que se aponte de onde virá o dinheiro para cobrir a despesa.

São muitos sinais de que o teto dos gastos pode ter o mesmo destino da Lei de Responsabi­lidade Fiscal. Nos primeiros anos após a aprovação da LRF houve um notável ajuste das contas públicas, que foi essencial para o cresciment­o da década de 2000. A criativida­de dos governos e a permissivi­dade de órgãos de controle, porém, permitiram muitas brechas, que resultaram na expansão descontrol­ada da despesa pública e na insolvênci­a de estados e municípios.

Melhor alertar para evitar o desastre do que depois chorar pelo leite derramado.

São muitos os sinais de que o teto dos gastos pode ter o mesmo destino da Lei de Responsabi­lidade Fiscal. Nos primeiros anos após a aprovação da LRF houve um notável ajuste das contas públicas, que foi essencial para o cresciment­o da década de 2000. A criativida­de dos governos e a permissivi­dade de órgãos de controle, porém, permitiram muitas brechas, que resultaram na expansão descontrol­ada da despesa pública e na insolvênci­a de estados e municípios

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