Folha de S.Paulo

Argentinos usam até férias no Uruguai para conseguir dólares

- Sylvia Colombo

buenos aires “Acabou de estrear a nova temporada de ‘Narcos - México’, e eu não queria perder por nada neste mundo”, diz à Folha o estudante Nahuel, 21 (não quis dar sobrenome), que cursa engenharia na Universida­de de Buenos Aires.

Como sua família tem poucos recursos, ele conta que não tem como pedir dinheiro para muitos “extras” para se manter na capital. Entre eles, sua conta de Netflix.

Desde que Alberto Fernández estabelece­u o “impostaço”, de 30% para compras de dólar, em dólar ou cartão de crédito em sites estrangeir­os, e de 9% para assinatura­s de serviços de streaming, a conta da Netflix ficou mais salgada para todos. Mas não para Nahuel e seus amigos.

“Tenho um amigo que é fera com essa coisa de mudar o endereço eletrônico de computador. Aí uso um cartão de outro amigo, que é colombiano, e ele paga para mim, tudo lá fora.”

Os sistemas para burlar os novos impostos estão ficando cada vez mais criativos. Ter cartão de crédito estrangeir­o é a maneira mais comum para evitar o pesado imposto de 30% em compras de passagens aéreas, ainda mais na época de férias.

Muitos argentinos que recebem pagamentos do exterior preferem ter contas no Uruguai, onde é possível ter uma conta sendo estrangeir­o e recebendo em dólar. Com um cartão de crédito ou débito uruguaio, pode-se fazer compras em sites estrangeir­os ou em agências de viagem fora do país sem pagar o imposto. Mais fácil ainda se a pessoa tiver conta nos EUA, como muitos empresário­s —e também como certos políticos.

Outra mania nacional que se agravoucom­asnovasmed­idas econômicas é a de comprar dólares para poupar. Como já é tradiciona­l desde os anos 1970, os argentinos confiam pouco ou nada no sistema bancário do país —coisa que se agravou com a hiperinfla­ção de 1983 e com a crise de 2001.

Por isso que poupar, para o argentino, significa ter dólares. Pode-se guardar em casa, em uma conta no Uruguai ou num cofre de uma agência bancária, mas raramente numa conta de poupança administra­da por um banco argentino.

Como está vigente a regra de que não se pode comprar mais de US$ 200 por mês de modo oficial, as vias alternativ­as se multiplica­ram, como sempre. A mais utilizada é a do dólar blue, muito mais caro, mas acessível nas “cuevas” (casas clandestin­as) ou por meio dos “arbolitos” (vendedores ilegais que estão nas ruas ou fazem serviço de “delivery”).

A diferença é que, pelo câmbio oficial, pagam-se 63,50 para comprar um dólar. No blue, o valor está entre 76 e 80. Mesmo assim, a movimentaç­ão desse mercado está aquecida.

Outra maneira é, novamente, recorrer ao país vizinho. Nos caixas eletrônico­s de Montevidéu ou de Colônia do Sacramento (cidade turística que fica a uma hora de barco desde Buenos Aires), há filas enormes de argentinos que viajam para sacar dólares de suas contas.

Neste período de férias, há vários truques sendo usados nos balneários uruguaios. Alguns restaurant­es e hotéis passaram a usar o “dólarherma­no”, ou seja, se o cliente é argentino, cobramse dele 30% a menos.

“Quando vimos que ia haver esse imposto, pensamos que a temporada de verão estava perdida”, conta Horacio, 62, dono de uma pousada em La Pedrera. “Aí começaram com essa ideia de cobrar menos dos argentinos. Mesmo assim, neste ano vieram menos”, diz à Folha.

O turismo representa cerca de 3% do PIB do Uruguai.

Outra estratégia que os argentinos vêm tentando, nem sempre com sucesso, é pedir que os hotéis uruguaios cobrem mais deles, em pesos, mas que lhes devolvam o troco em notas de dólar, para voltar com estas para a Argentina e, com isso, trocar no blue.

Em vários bares de Buenos Aires, é comum que, durante a happy hour —das 17h às 20h ou das 18h às 21h, dependendo do estabeleci­mento—, as bebidas alcoólicas tenham desconto. No Mito Mercato, em Palermo, os donos saíram com uma solução criativa, chamando o desconto da happy hour de “drinks cuidados”, evocando o programa do governo que controla aumentos de vários produtos.

“É uma forma de trazer as pessoas para a rua, mesmo em tempos de crise”, afirma um dos proprietár­ios, Maximilian­o Salomon.

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