Folha de S.Paulo

Jornalista cobriu a morte de Getúlio e foi preso pela ditadura

JORGE MIRANDA JORDÃO (1932-2020)

- Coluna.obituario@grupofolha.com.br

rio de janeiro Morreu na segunda-feira (10), no Rio de Janeiro, vítima de complicaçõ­es cardíacas, o jornalista Jorge Miranda Jordão, 87.

Nascido em Salvador em 1932, Miranda Jordão iniciou sua carreira em 1954, no jornal Última Hora, de Samuel Wainer, e teve passagens por diversos veículos da imprensa nacional. Depois de idas e vindas no Grupo Folha, chegou a comandar a Folha da Tarde,

jornal relançado em 1967 e direcionad­o aos estudantes.

Ainda em 1954, recém-chegado ao Última Hora, cobriu, diretament­e do Palácio do Catete, o suicídio de Getúlio Vargas. Também dirigiu as sucursais em São Paulo e Porto Alegre.

Segundo Miranda Jordão, ele comandou uma equipe de cerca de 50 pessoas na Folha da Tarde, entre elas Frei Betto, chefe de reportagem.

Em 1969, o jornalista foi demitido e preso pela ditadura militar. Em entrevista ao Centro de Cultura e Memória do Jornalismo, Miranda Jordão disse que teve alguns amigos envolvidos em ações contra o regime. “Um desses amigos, até agora não sei por que cargas d’água, foi preso e citou meu nome.”

Nessa entrevista, ele afirmou que sua atuação jornalísti­ca também pode ter contribuíd­o para a prisão. Falou sobre uma ocasião em que despachou um carro da Folha para avisar que haveria uma batida policial em um congresso da UNE (União Nacional dos Estudantes) em Ibiúna. Os presentes, entre eles José Dirceu, ignoraram o aviso e foram presos.

“Eles [militares] perguntava­m como que era o negócio, claro que eu jamais diria isso, eu jamais disse isso, no interrogat­ório não se brinca com essas coisas.” Miranda Jordão disse, no entanto, que não tinha militância política.

Na última entrevista antes de sua morte, em 2018, Otavio Frias Filho afirmou que a Folha da Tarde foi entregue por Miranda Jordão à ALN (Ação Libertador­a Nacional), grupo armado de enfrentame­nto à ditadura militar.

“Permitiu que se alojasse dentro da Folha da Tarde uma célula da ALN. Um belo dia, quando caiu o [Carlos] Marighella, em 69, se descobriu que tinha essa célula lá, e caiu toda aquela turma dos frades dominicano­s.”

No livro “História da Imprensa Paulista”, Oscar Pilagallo diz que Frei Betto recrutou Jordão para a militância clandestin­a.

Anos depois de ser preso, Miranda Jordão dirigiu as redações dos jornais O Dia e Diário Popular. Neste último, negou-se a publicar em 1994 o caso da Escola Base, após desconfiar de informaçõe­s da polícia. Na ocasião, funcionári­os foram acusados sem provas de abusar sexualment­e de crianças da escola.

“Tinha a matéria e resolvi não dar. Tudo o que os jornais tinham e publicaram eu tinha e não publiquei. Não acreditei naquela história. Até que foi visto que era uma farsa”, disse em entrevista para o livro Memórias da Imprensa Escrita.

Miranda Jordão deixa três filhas e netos. O enterro foi realizado na quarta (12), no cemitério do Catumbi, no Rio.

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