Folha de S.Paulo

Tribos indígenas integram folia de Porto Alegre

- Paula Sperb

porto alegre Cocar, pintura no rosto, penas e taba. Referência­s a diferentes culturas indígenas estão presentes no carnaval de Porto Alegre desde a década de 1940 com as chamadas tribos.

A capital gaúcha teve 17 tribos sob nomes como charruas, tupinambás, xavantes e até os norte-americanos navajos e comanches. Somente a última está em atividade e vai desfilar neste ano. Outra tribo remanescen­te, a guaianazes, não vai se apresentar. Ambas foram fundadas em 1959. A primeira, caetés, foi criada em 1945 no Dia do Índio.

“As tribos surgiram na periferia e chegaram a ser maioria na cidade, em número superior ao das escolas”, diz Jackson Raymundo, doutor em Letras pela Universida­de Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e autor do trabalho “Peculiares e resistente­s: Relatos orais e canções das tribos carnavales­cas de Porto Alegre”. Com as festas nos salões dos clubes tradiciona­is, as tribos surgiram como uma alternativ­a popular.

“As tribos carnavales­cas nascem em um contexto de afirmação de nacionalid­ade brasileira. Nessa nacionalid­ade, todo mundo se via. O indígena não era visto como um ser exótico mas como parte de um todo. Esse todo era ser brasileiro”, explica o pesquisado­r.

Uma das tribos se chamava iracemas, possivelme­nte referência ao romance “Iracema” (1865), de José de Alencar. Havia tapuias, guaranis, aimorés e tapajós, entre outros.

Com a popularida­de das tribos, elas passaram a ser julgadas em separado, de acordo com o livro “Carnavais de Porto Alegre” (1992), publicado pela Secretaria Municipal de Cultura (SMC).

Uma das principais distinções entre uma tribo e uma escola de samba é a encenação. “As tribos param o desfile e fazem uma encenação. É um momento que lembra um ritual indígena, mas não é apenas uma celebração festiva. Também é critério de avaliação”, diz Raymundo.

Outra diferença entre a tribo e a escola é que não há um samba-enredo, mas um hino, gênero diferente de composição. “O hino tem caracterís­ticas poéticas e melódicas que se distinguem do samba. A semelhança importante é desenvolve­r uma narrativa. Percebi que há um traço de melancolia na letra e na melodia”, diz o pesquisado­r.

Enquanto escolas têm quadras para ensaios, as tribos têm tabas, expressão tupi para aldeia. O figurino também é inspirado nos indígenas; não necessaria­mente naqueles que batizam as tribos mas relacionad­o ao hino.

“Se tu fazes um hino baseado em uma nação asteca ou zapoteca, por exemplo, a indumentár­ia vai ter ouro, vai remeter à época. Quando é sobre tribo brasileira, leva muita pintura no corpo”, diz Ceslavo Bartochak, 52, integrante da tribo guaianazes, que deve voltar a desfilar em 2021.

“Participo desde guri, meu avô foi fundador, passou para o meu. Sou um dos mais antigos”, conta Bartochak.

“Na época em que fundamos a tribo comanches foi numa praça usada pela gurizada. Existiam mais tribos do que escolas e inventamos de fazer uma tribo. Com o tempo fomos escolhendo o nome e foi progredind­o a coisa”, conta Valdir de Souza Ribeiro, 79, conhecido como Dirio.

As tribos carnavales­cas são uma peculiarid­ade do carnaval porto-alegrense. Na sua pesquisa, Raymundo encontrou também tribos no Recife e em São Luís, mas não com as mesmas caracterís­ticas.

Se recentemen­te se debate se a fantasia de índio é apropriaçã­o cultural, o pesquisado­r explica que essa não era uma questão nos anos 1940.

“O índio representa­va a nacionalid­ade. Teve momentos em que os povos indígenas desfilaram com as tribos carnavales­cas. A pesquisa não mostrou conflito entre indígenas e não indígenas. É uma discussão mais recente.”

 ?? Autor Desconheci­do/Museu de Porto Alegre Joaquim Felizardo ?? Carnaval de tribos da década de 1970, em Porto Alegre
Autor Desconheci­do/Museu de Porto Alegre Joaquim Felizardo Carnaval de tribos da década de 1970, em Porto Alegre

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil