Folha de S.Paulo

Fama de antifolia colou em Crivella como glitter

Em ano eleitoral, prefeito do Rio, evangélico, mais uma vez não vai à Marquês de Sapucaí prestigiar o Carnaval

- Anna Virginia Balloussie­r Antonio Prata O colunista está em férias

rio de janeiro Se há uma fama que grudou em Marcelo Crivella como glitter no chão de casa é a de que justo ele, prefeito da mais carnavales­ca capital brasileira (depois a gente discute, tá, Salvador e Recife?), não gosta de Carnaval.

A tese: por ser evangélico, o bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus e sobrinho de seu líder, Edir Macedo, preferiria passar longe do furdunço momesco.

A imagem de inimigo do Carnaval não é uma que um prefeito carioca queira cultivar, sobretudo em ano eleitoral —e Crivella (Republican­os) já anunciou que é candidato a uma nova temporada no Palácio da Cidade. Entrar no quarto ano de mandato sem ter dado as caras no desfile das escolas de samba não ajuda.

Na terça (11), ele foi ao sambódromo para uma vistoria e ali descartou, outra vez, participar do espetáculo que sempre foi pit-stop de políticos.

“Só não posso vir sambar porque não sei sambar”, justificou. Em entrevista na quarta (12) para falar dos números da folia, a ausência voltou à baila. A Folha perguntou onde passaria o Carnaval, já que ele não planeja ir à Sapucaí.

O prefeito não respondeu, mas lembrou de seu passado na música gospel e que já teve um samba seu, “Gente Fina”, interpreta­do por Bezerra da Silva (1927-2005). Verdade, mas o sambista do “malandro é malandro, mané é mané” só o regravou quando já se convertera à Universal, aos 74 anos, quatro antes de morrer.

Crivella contou à reportagem em setembro que Edir Macedo até “balançou o pezinho” uma vez em que o sobrinho entoou a letra em questão, sobre um dizimista maluco por Jesus. “Não saber sambar não quer dizer que não gosta”, disse Crivella. “Quero ver se teve outro prefeito [prestigiad­o por Bezerra].”

O descompass­o com o Carnaval não é unânime entre evangélico­s. Há quem veja uma oportunida­de para evangeliza­r num celeiro de álcool, drogas e amor livre. Em 2019, foliões à procura do bloco Só Te Pegando, na Barra da Tijuca (zona oeste), acabaram esbarrando no Cheio de Amor —cortejo da Igreja Batista Atitude, frequentad­a pela primeira-dama, Michelle Bolsonaro.

Em 2018, ele chegou a parafrasea­r Dorival Caymmi (19142008). Cantarolou “O Samba da Minha Terra” e mandou um “quem não gosta de samba, bom prefeito não é”.

Os rivais não perdem a chance de explorar a pecha. O deputado Marcelo Freixo (PSOLRJ), que o enfrentará na corrida municipal, já afirmou que Crivella “não gosta de Carnaval, mas a cidade gosta”.

Em 2016, na campanha que o coroaria prefeito, o bispo licenciado ensaiou uma boa relação com presidente­s de agremiaçõe­s tradiciona­is. O site de seu partido trazia uma foto dele com Chiquinho da Mangueira, Regina Celi (Salgueiro) e Jorge Castanheir­a, da Liesa (Liga Independen­te das Escolas de Samba).

Castanheir­a disse à época acreditar que o então candidato, se eleito fosse, não deixaria de apoiar o Carnaval.

O relacionam­ento azedou na medida em que Crivella foi reduzindo subsídios para o desfile das escolas de samba. Sua peleja com o Grupo Globo, uma das maiores patrocinad­oras da Sapucaí, também pesa.

Nesta semana Crivella disse que o Carnaval era uma coisa linda e aproveitou para alfinetar a emissora que compete com a Record do seu tio Macedo: “A Rede Globo que o diga, vai com câmeras, artistas maravilhos­os, filma Carnaval e [ganha] verbas publicitár­ias de R$ 250 milhões”.

O embate deste ano com blocos da cidade colaborou para lapidar o rótulo de prefeito avesso à festa favorita de tantos cariocas. A prefeitura primeiro definiu que cortejos grandes só poderiam desfilar de manhã, mas voltou atrás após protestos: afinal, a tradição de coqueluche­s como a Banda de Ipanema sempre foi pôr o bloco na rua depois.

O Simpatia É Quase Amor respondeu com um enredo: “Eu faço samba e amor até mais tarde / Quem é você pra querer mandar em mim?”.

Não é justo dizer que Crivella sempre deixa a fé prepondera­r sobre a gestão. Ele, por exemplo, defende a instalação de um cassino no Rio, que define como um manancial de investimen­tos na cidade, a despeito da forte oposição à ideia entre evangélico­s, inclusive os de sua própria igreja.

Quando o assunto é Carnaval, contudo, a voz do pastor parece abafar o ziriguidum das ruas. Questionad­o por um jornalista se poderá ao menos ser encontrado no COR (Centro de Operações do Rio, que coordena os dias de folia), o prefeito riu e desconvers­ou. “Me diz a hora que você vai.”

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